SÓ NO QUINTAL DO VIZINHO

Curitibanos continuam sem um
espaço oficial para a prática do naturismo


O Homem Nu, da Praça 19 de Dezembro, é o símbolo da associação Natparaná

Andréia, Estevão e o filho Moreno: naturistas cristãos


Estima-se que 2.500 pessoas participaram, na semana passada, do 31º Congresso Internacional de Naturismo, na praia paraibana de Tambaba. O evento, realizado primeira vez no hemisfério sul, recebeu visitantes de 33 países, que durante quatro dias debateram e celebraram seu estilo de vida alternativo.

Mas nem tudo é festa e liberdade para os naturistas brasileiros, ainda vistos como excêntricos pelo restante da sociedade. A esperança é que o sucesso do encontro contribua para legitimizar o projeto de lei, encaminhado em 1996 pelo deputado federal Fernando Gabeira, que reconhece a prática no país. Conhecida como Lei Gabeira, a proposta sequer entrou em votação no Congresso Nacional.

Pior ainda é a situação dos naturistas locais. Sem um espaço adequado no litoral do estado, eles têm de viajar até a praia do Pinho, em Camboriú (SC), para ‘‘ficar à vontade’’. Como isso nem sempre é possível, a convivência acaba migrando para o mundo virtual, em comunidades e listas de discussão.

‘‘Naturismo não se pratica só na praia, nos fins de semana’’, justifica Andréia Baia, 27 anos, mestranda em Antropologia e presidente da associação Natparaná. Ela e o marido, o arquiteto Estevão Prestes, 37, estão entre os principais agitadores do movimento por aqui.

Também são os únicos no estado autorizados a emitir o passaporte naturista da Federação Brasileira. O documento, criado para controlar a invasão de ‘‘aventureiros’’ no meio, é útil principalmente para homens solteiros. Nas praias naturistas, eles normalmente ficam em áreas separadas dos casais com filhos. Com a identificação, são liberados para transitar livremente.

Fundada em 2003, a Natparaná (que tem como símbolo a estátua do Homem Nu, da Praça 19 de Dezembro) reúne cerca de 300 membros. A maioria é de Curitiba e participa do grupo apenas virtualmente. ‘‘O naturista curitibano ainda tem muito medo do preconceito’’, explica Estevão.

Lucas (nome fictício), 36, é um dos que prefere se resguardar. Professor universitário, divide-se entre as aulas em Ponta Grossa e o doutorado na Capital. Nas horas vagas, corre para o Pinho.

Solteiro, ele concorda que a vida dos homens sozinhos não é fácil nos espaços naturistas. No entanto, não passou por esse tipo de dificuldade para se integrar. ‘‘Foi tudo muito rápido para mim’’, conta. ‘‘Conheci o Natparaná pela internet e logo comecei a participar do movimento. Hoje, tenho o passaporte e convivo tranqüilamente com as famílias na praia.’’

O único (ou o maior) problema é que a praia, no caso a do Pinho, fica a mais de 200 km de Curitiba. Em um ano como este, com poucos feriados emendados, foram raras as vezes em que os curitibanos praticaram a chamada ‘‘nudez social’’.

A solução, pelo menos em tese, seria criar um espaço do gênero nas redondezas. A proposta começou a ganhar corpo em 2005, quando o Sindilitoral (entidade que representa os empresários do litoral paranaense) procurou pela primeira vez a Natparaná.

No início de 2007, o tema voltou à baila e causou um certo barulho na imprensa. Mas, segundo o Sindilitoral, o projeto não teve o apoio governamental e político necessário para decolar. Também houve uma pressão velada de denominações religiosas contrárias à filosofia naturista.

Fábio Aguayo, superintendente da entidade, afirma que o Paraná é o único estado brasileiro banhado pelo mar que não possui uma praia naturista. Por conta disso, deixa de atrair centenas de turistas brasileiros e estrangeiros todos os anos. ‘‘Mas a idéia continua em nossa pauta. Vamos retomá-la quando passarem as eleições municipais’’, garante.

FULANO DE TAL

Enquanto isso, a Natparaná se mobiliza para encontrar uma chácara que acolha seus membros. O modelo é o extinto sítio Fulano de Tal, nos arredores da Lapa. Durante três anos, em meados da década passada, o lugar foi o ponto de encontro da Parnat, primeira associação naturista do estado.

‘‘Veterano’’ entre os praticantes curitibanos, o vendedor de carros Marcos Hille, 35, é testemunha dessa fase. ‘‘O auge do sítio foi em 1995, quando recebia um fluxo considerável de gente’’, lembra Hille.

Ele conta que tudo ia bem até o proprietário se mudar para o Pinho, onde abriu um restaurante. Entregue a um mau administrador, o Fulano de Tal rapidamente faliu. Os naturistas migraram para Santa Catarina e a própria Parnat se dissolveu.

‘‘Mesmo com uma praia aqui, seria difícil concorrer com o Pinho, que está dentro de uma cidade estruturada como Camboriú’’, reconhece. Para Hille, a criação de um camping, ou algo semelhante, próximo a Curitiba é a alternativa mais viável - e provável.

Ou seja: em breve, o Paraná pode ganhar um espaço regular para a prática da nudez em grupo. Mas o casal Estevão e Andréia quer mais. Seu sonho é comprar uma chácara para morar e receber outros naturistas.

Uma nova Colina do Sol? ‘‘A idéia não é essa, apesar de a Colina ser um lugar fantástico’’, diz Estevão.

Localizada a 50 km de Porto Alegre (RS), a Colina é uma espécie de mini-cidade naturista. Lá, cerca de 50 famílias moram, trabalham, estudam, fazem compras. Uma utopia nudista tupiquim, recentemente abalada por denúncias de pedofilia.

Dois casais que estavam à frente da comunidade estão presos desde o ano passado - os norte-americanos Frederick Louderback e Barbara Anner e os brasileiros André Herdy e Cleci Jaeger. Eles são acusados de aliciar e abusar de crianças pobres de uma região vizinha.

Na época, Herdy era presidente da Federação Brasileira de Naturismo, o que por pouco não ameaçou a realização do encontro internacional na Paraíba.

Por mais que as denúncias tenham partido dos próprios moradores da Colina, o caso não deixou de respingar em todos os naturistas brasileiros. ‘‘Não dá para negar que essa história manchou um pouco a nossa imagem. Quando o assunto chegou na grande mídia, ficou aquela impressão de que naturismo é igual a pedofilia’’, reconhece Estevão.

Para Andréia, o episódio contribuiu para que o projeto da praia naturista paranaense não tivesse continuidade. ‘‘O preconceito aumentou’’, afirma. E questiona: ‘‘Tirar a roupa no quintal do vizinho é fácil, né? Quero ver deixarem tirar aqui’’.

COM CRISTO, E SEM ROUPA

Além de comandar a Natparaná, Andréia Baia e Estevão Prestes lideram outra comunidade: a dos Naturistas Cristãos. Evangélicos, eles se conheceram justamente por conta das idéias de Estevão, fundador do grupo, atualmente com 500 membros. Foi em 2001, quando o arquiteto concedeu uma entrevista sobre o tema a uma revista ligada ao meio cristão.

Andréia, que então morava com os pais em Brasília, gostou do que leu e resolveu procurar, via e-mail, todos os personagens da reportagem. Apenas Estevão respondeu, e os dois iniciaram um relacionamento virtual.

As conversas evoluíram e o naturista cristão foi conhecê-la no Planalto Central. Não demorou muito e Andréia voltou para Curitiba, sua terra natal. Os dois têm um filho de três anos, Moreno, que os acompanha nas jornadas naturistas.

De acordo com Estevão, o conceito de naturismo cristão é bastante difundido entre os evangélicos norte-americanos. Não há exatamente um fundamento bíblico que justifique a prática, mas ele cita o evangelho de Mateus em seu site: ''A vida é mais do que o alimento, e o corpo mais do que as vestes''.

Ele conta que a maioria dos internautas acessa sua página para, de certa forma, eximir-se da culpa. ''Sempre surgem mensagens do tipo: 'O pastor da minha igreja disse tal coisa', ou 'Tal versículo me deixou em dúvida'''.

Por essas e outras, Estevão se afastou da Igreja do Evangelho Quadrangular, da qual fazia parte. Andréia, filha de um pastor batista, também largou a denominação. Agora, congregam na Caminho da Graça, mais tolerante.

''A pressão não vinha dos membros, e sim das lideranças. Cheguei a ser chamado por um conselho para me explicar. Queriam que eu escondesse meu lado naturista, levasse uma vida dupla'', afirma o arquiteto.

O casal garante que não quer fundar uma nova igreja - apenas conciliar sua fé com os ideais naturistas de respeito a si próprio, ao próximo e à natureza. ''Pecado é a pessoa promover o mal. Ninguém tem o direito de julgar o outro'', conclui o Estevão, que não vê problema em realizar seus estudos bíblicos totalmente despido, à beira mar.


por OMAR GODOY
com fotos de MARCOS BORGES (estátua)
e THEO MARQUES (família)
setembro de 2008

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