O ECUMENISMO EM PESSOA

Padre Joachim: dança indiana e meditação na igreja


Uma das nações mais antigas do planeta, a Índia sofreu diversas invasões ao longo da História. Inclusive de portugueses, que no século 16 entraram pelo estado de Goa e disseminaram um pouco de sua língua e da tradição cristã em cidades da costa do Mar da Arábia.

Entre elas Mangalore, dominada por Portugal entre 1568 e 1659. Hoje, cerca de 30% da população local ainda é católica (número alto para os padrões indianos) e preserva o costume de batizar seus filhos com nomes lusitanos - principalmente de santos.

Dos mais de 1,1 bilhão de habitantes do país, "apenas" 35 milhões seguem o cristianismo. O que torna o catolicismo praticado por lá um tanto diferente do tradicional, como explica o padre Joachim Andrade, 45 anos, nascido em Mangalore e radicado no Brasil desde 1995. "Existe todo um modo de ser indiano, uma cultura tão forte que simplesmente impede as pessoas de serem 100% católicas", diz.

Não foi sem conflitos interiores que o sacerdote aprendeu a lidar com essa dualidade. Assumidamente "inquieto", ele resolveu estudar Filosofia e Teologia para entender melhor o ambiente ao seu redor. Em paralelo, envolveu-se com a dança clássica indiana, tornando-se bailarino e pesquisador dessa manifestação ao mesmo tempo artística e espiritual.

Ordenado pela Congregação do Verbo Divino em 1992, Andrade escolheu o Brasil para atuar como missionário. Encantado desde a juventude com a Amazônia, Brasília e a Teologia da Libertação, acabou sendo enviado para a Paróquia Santo Estanislau, em Curitiba, onde os verbitas tinham maior necessidade de pessoal na época.

Inicialmente, o padre optou por não expor seu lado bailarino. Até que um colega de Guarapuava, indiano como ele, revelou essa "identidade secreta" a uma turma de praticantes de ioga. Andrade aceitou o convite do grupo para realizar uma apresentação e desde então percorre o país levando a dança indiana a ambientes ecumênicos.

Decidido a construir uma ponte entre a arte e seu credo, o missionário experimenta dançar em igrejas, utilizando temas bíblicos. Também insere elementos de meditação durante a homilia. Mas as primeiras reações dos fiéis não foram das melhores. Houve até quem o acusasse de profanar o altar, por se apresentar sem camisa (como é comum entre os indianos).

Andrade logo percebeu que a exposição do corpo incomodava mais do que a dança em si, e passou a vestir uma kurta (túnica indiana). O passo seguinte foi vincular seus conhecimentos ao universo acadêmico, para aprofundá-los e conquistar respeitabilidade. Cursou mestrado e doutorado, sempre tendo a expressão cultural de seu país como tema de teses e dissertações. Em junho deste ano, lançou o primeiro livro: Dança Clássica Indiana - História, Evolução, Estilos.

Apesar do ineditismo de seu trabalho, o padre não se considera um renovador - só quer transmitir o que a Índia tem a oferecer aos brasileiros. "Busco mostrar que a dança é uma outra forma de rezar. E que a meditação e o silêncio despertam a consciência e a compaixão", diz Andrade, o ecumenismo em pessoa.

por OMAR GODOY
com foto de MARCOS BORGES
outubro de 2008

Nenhum comentário :