GURUS IN COMPANY

Palestrantes motivacionais buscam
destaque em um mercado dominado
por executivos, atletas e celebridades

Maurino Veiga: "assistente de realização de sonhos"

O consultor Petrúcio Chalegre, vulgo Monge Genshô


Para cada Bernardinho, Max Gehringer ou Arnaldo Jabor que se apresenta Brasil afora, há centenas de anônimos em busca de destaque no concorrido terreno das palestras corporativas. Não se sabe ao certo os valores que esse mercado movimenta - até porque o sigilo faz parte do negócio. Mas a julgar pelo grande número de novatos à disposição, estima-se que seja um filão lucrativo mesmo para quem ainda não representa uma grife.

''Também não saberia dizer esse número, mas acredito que sejam uns bons milhões'', diz o empresário português Paulo Campos, diretor da agência de palestrantes Via Tecla, na ativa há pouco mais de dois anos.

Com escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, a empresa administra um ''banco de talentos'' com cerca de cem consultores (como também são chamados os profissionais da área). ''Do ano passado para cá, a procura praticamente dobrou'', revela.

Na internet, há ofertas para todos os gostos e bolsos. De executivos aposentados a esportistas vitoriosos, passando por mágicos, monges e celebridades do terceiro time. O site de uma outra agência paulista chega a dividir os palestrantes em diversas categorias - sobra espaço até para os ''Iniciantes Bons e Baratos''.

A remuneração começa em cerca de R$ 2 mil, mas não é raro encontrar quem fale de graça para ganhar público. Já o teto pode chegar a R$ 100 mil, caso do cachê do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Não à toa, já existe uma escola de formação para o setor. A Academia do Palestrante, em São Paulo, oferece cursos como Teatro para Não-atores (Técnicas Teatrais para a Comunicação em Público) e Empreendedorismo para Palestrantes (Extensivo e Intensivo). A lição é clara: ser bom de bico não é o suficiente. Se o novato não souber gerir a própria carreira, morre na praia.

Cerca de 90% das palestras são realizadas no sistema in company, com exclusividade para o público de determinada empresa. Os temas giram em torno de quatro núcleos básicos: liderança, vendas, qualidade de vida e motivação. Estes dois últimos, mais universais, são a base do mercado.

De um lado estão companhias cuja filosofia inclui a máxima de que ''funcionários felizes são mais produtivos''. Do outro, há empregados muitas vezes estressados e desanimados. É o território perfeito para os palestrantes, sempre prontos para levantar o moral da tropa.

''No fim dos eventos, todos saem extasiados com a possibilidade de mudar de vida, seja no trabalho ou em casa'', diz o conferencista Diego Berro, paulista que hoje mora no eixo Curitiba-Balneário Camboriú.

Aos 25 anos, e há 6 no mercado, Berro foi considerado pelo Guiness o palestrante mais jovem do Brasil. Também era dele o recorde de palestras realizadas num único dia (11, em Ponta Grossa), mas um colega gaúcho superou sua marca - por apenas um evento.

Diplomado em cursos de neurolinguística, ele garante que seu trabalho não tem nada a ver com auto-ajuda. No entanto, acredita haver uma ligação entre as conferências e sua origem na Igreja Adventista. ''Como nasci dentro da igreja, isso me gera um equilíbrio emocional e espiritual".

Diego Berro é apenas um dos muitos palestrantes que se lançam por conta própria, sem um histórico de grandes realizações no currículo. Como o ex-servidor público Osmar Coutinho, de 48 anos, que há 15 trocou o funcionalismo pelos auditórios de empresas.

''Existem pessoas que falam com amigos ou colegas de trabalho e, de repente, estão rodeadas de gente querendo ouvir. São pessoas que se sentem bem e sabem dar conselhos interessantes. Era o meu caso'', conta.

PRIMEIROS PASSOS

Para quem ainda não é conhecido no meio, o caminho das pedras inclui se oferecer para falar de graça e escrever artigos, também sem remuneração, em sites e publicações sobre planejamento de carreira, vendas, bem-estar, recursos humanos e afins. Na página do conferencista Diego Berro, por exemplo, o internauta pode se consultar por meio de textos como ''Agradeça em vez de reclamar'', ''Empreenda seus sonhos'' e ''A influência das cores, dos sons e das sensações no processo de venda''.

Outra porta de entrada para o mundo das palestras in company são os livros. Daniel Godri Jr., de 30 anos, já escreveu três: ''Mudanças e Oportunidades - 70 Dicas para Você Vencer as Montanhas do Medo na Vida e Nos Negócios'', ''Venda Mais e Melhor - Aumente seu Volume de Vendas e o seu Faturamento'' e ''Sou Campeão por Natureza - Segredos dos Animais para ser um Vencedor''.

Além do livros, Godri Jr. tem CDs e DVDs lançados e apresenta um programa de TV numa emissora ligada ao catolicismo carismático. Segue os passos do pai, veterano no mercado das palestras motivacionais. ''Acho que é o primeiro caso de segunda geração atuando no meio'', diz.

Questionados sobre a fama de ''gurus'', os palestrantes desconversam. Mas não escondem uma certa vaidade. ''Sou um anjo disfarçado, um amigo que ajuda o outro a caminhar mais rapidamente'', afirma Osmar Coutinho. ''Querendo ou não, você acaba influenciando pessoas'', opina Godri Jr.

O rótulo também é rejeitado por Maurino Veiga, de 37 anos, fundador do instituto que leva seu nome e um dos consultores mais requisitados de Curitiba. ''Me considero um assistente de realização de sonhos, só isso'', garante.

Ao contrário de muitos palestrantes que fazem da própria casa sua base de contatos, Veiga atende em um amplo escritório no centro de Curitiba. E não trabalha só. Cerca de 25 colaboradores - entre médicos, psicólogos e assistentes administrativos - fornecem o suporte necessário para o desenvolvimento de seus programas de motivação, qualidade de vida, relacionamento interpessoal, etc.

Formado em Administração, Marketing e com alguns cursos realizados na área terapêutica, Veiga define seu público: ''São pessoas muito inteligentes, que querem melhorar sua qualidade vida e não conseguem''. Mas por que não conseguem, se são tão inteligentes? ''Porque a rotina não as deixa pensar, e elas acabam não criando um tempo para desenvolver uma vida com mais qualidade'', responde.

Para o palestrante e professor universitário Marcelo Karam, o problema está no autoconhecimento. Ou melhor, na falta dele. ''A educação não estimula as pessoas a refletir, apenas a produzir'', diz o ex-campeão de ginástica aeróbica.

Mais crítico do que os colegas, ele também aponta o estágio atual do capitalismo como um dos fatores responsáveis pela desestruturação do indivíduo. ''A economia está aquecida, mas o planeta não suporta mais um ritmo tão maluco. Nesse ambiente competitivo, as pessoas adoecem, tornam-se depressivas, viciadas em remédios''.

As empresas, por sua vez, atuam numa via de mão dupla: ao mesmo tempo em que estimulam a competitividade, contratam palestrantes para falar sobre motivação e qualidade de vida. Karam concorda. ''As empresas são altamente contraditórias. Muitas delas querem que eu chegue, fale e que tudo continue como está. Acho até que não faço mais trabalhos porque nem sempre digo o que os contratantes querem'', confessa.

Agradando ou não os patrões, os motivadores de plantão nem sempre provocam mudanças por onde passam. Não necessariamente por culpa deles, e sim de quem contrata. ''Há bons e maus profissionais em qualquer atividade econômica. O problema é que, muitas vezes, as empresas consomem essas ferramentas por modismo e não as usam de maneira adequada'', afirma o consultor de RH Cássio Mattos, ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e atualmente membro do conselho deliberativo da entidade.

Ele ainda faz questão de enfatizar que as técnicas de motivação não fazem milagres. ''Elas servem para que o empregado que já se sente bem dentro da empresa continue motivado. Quem é deprimido por natureza, vai ficar do mesmo jeito''.

Ou seja: quem nasceu para jabuti, nunca vai chegar a galo.

OS EXÓTICOS

Na fauna dos gurus corporativos, não faltam espécies, digamos, exóticas. Há quem acredite que, quanto mais inusitada a embalagem, melhor. Como o paulista Helder Moreira, cuja profissão é viajar pelo País com a palestra ''Lições de Existência de Elvis Presley''.

Sim, ele é um cover do Rei do Rock! E faz analogias entre a trajetória das empresas e o sucesso do cantor (que morreu deprimido e entupido de remédios, mas isso deve ser apenas um detalhe).

Ilusionistas também estão em alta no mercado. Um do mais procurados é o catarinense Dalmir Sant'Anna, que registrou para si o nome-marca ''Palestrante Mágico'' e vende seus truques como ''uma ferramenta diferente e interessante de treinamento e aprendizado''. Não, ele não serra executivos no meio.

Diferente mesmo deve ser a palestra da atriz carioca Narjara Tureta. Ex-estrela mirim da Rede Globo, a filha de Regina Duarte em Malu Mulher caiu no ostracismo quando amadureceu. Acabou virando vendedora de água de côco na praia de Copacabana para sobreviver - e agora tenta a sorte como palestrante motivacional.

Seu colega João Signorelli, também ex-global, é um pouco mais experiente. Há mais de dois anos, veste-se como Ghandi e apresenta em empresas o monólogo ''O Líder Servidor''.

Nessa linha ''paz e amor'', mas com mais profundidade, destaca-se o empresário e consultor Petrúcio Chalegre, de Florianópolis. Com mais de 40 anos de serviços prestados a grandes companhias brasileiras, Chalegre deu uma guinada existencial ao se aproximar do zen budismo. Hoje, atende pelo nome de Monge Genshô e ensina como ''conciliar a prática espiritual com uma atuação ética no mundo corporativo''.

Em direção radicalmente oposta está Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope). Sua palestra baseada no filme Tropa de Elite já é um dos maiores hits do momento. Storani compara missões de combate ao crime com metas comerciais e incita a audiência a repetir gritos de guerra. E se alguém não gostar, que peça para sair.

por OMAR GODOY
com fotos de divulgação
maio de 2008

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