TRÂNSITO NA CABEÇA

Tecnologia facilita a vida do operador
de radiotáxi - o que não coopera é o tráfego

João Carlos desliga o rádio quando topa com um motorista ‘‘marrento’’

Valdir ‘‘solta’’ corridas até dormindo


No fundo de uma sala ocupada por telefonistas, João Carlos Moreira, 44 anos, fala sem parar ao microfone. Vidrado em frente à tela do computador, ele não pode perder a concentração nem por um segundo. Se bobear, leva ao caos um sistema que deve funcionar como um relógio.

Moreira é operador de radiotáxi, uma profissão invisível, porém altamente estressante. Para se ter uma idéia, em um turno de seis horas (o máximo permitido pelo sindicato da categoria) ele libera algo em torno 1.600 corridas. Ou melhor: ''solta'', como se diz no jargão dos taxistas.

Mas a dificuldade não está apenas em soltar corridas a todo instante. Repetir endereços, orientar os novatos e lidar com colegas irritadiços são tarefas ingratas, que exigem fartas doses de paciência.

''Às vezes, o motorista está a poucos metros do passageiro. Mas o congestionamento é tão grande que ele não consegue chegar'', diz Moreira, há dez anos na cooperativa Sereia.

Nessas horas, a gritaria é geral. Tanto da parte do taxista quanto do passageiro - e, às vezes, da telefonista também. E se o colega do outro lado for grosseiro, só existe uma solução. ''Desligo o rádio e deixo o cara falando sozinho'', confessa o operador.

O trânsito de Curitiba, cada vez mais embolado, virou um quebra-cabeça, um nó a ser desatado por quem é do ramo. ''Não falta táxi na cidade. O problema é mesmo o tráfego'', afirma Renato Pieritz, taxista e membro do conselho fiscal da Sereia.

Ele acredita que o número de carros em circulação duplicou nos últimos cinco anos. Para piorar, 90% do movimento está concentrado na região central e bairros adjacentes. Sem contar os canteiros de obras espalhados por todos os cantos. ''É um mal que vem para bem. Mas que atrapalha a nossa vida, isso atrapalha'', diz.

Grandes associações de taxistas, como a Sereia, contam com cerca de 200 carros. A Faixa Vermelha, pioneira no país, tem um pouco mais, 230. Em ambas, o volume de trabalho parece não ter fim.

''Depois do turno, você chega a ficar cansado fisicamente'', afirma Valdir Campos, 55, operador da cooperativa Faixa Vermelha desde 1985. Ele concilia o trabalho interno com o externo: de manhã no táxi e à tarde na central. Além de ganhar mais, mantém-se atualizado sobre os melhores caminhos.

Se bem que, com o trânsito como está, a opinião de motoristas e operadores é unânime: não há saída. ''Há oito anos, você atravessava a cidade, de ponta a ponta, em 25 minutos. Hoje, leva mais de uma hora para fazer esse trajeto'', lamenta Campos.

MÃO-DE-OBRA

João Pinheiro, presidente da Sereia, conta que a mão-de-obra para a área de operação de radiotáxi é escassa. Por isso, há sempre alguém em treinamento.

De acordo com ele, são quatro os requisitos básicos para ingressar na carreira: ser ou ter sido taxista, conhecer a cidade de cabo a rabo, entender pelo menos um pouco de informática e, acima de tudo, manter o equilíbrio em todas as situações.

Não à toa, os operadores ganham até R$ 1.600 mensais para trabalhar durante seis horas diárias. Nada mal para uma atividade que não exige curso superior.

Mas há quem acredite que a profissão está com os dias contados. ''Quando o GPS (sistema de posicionamento por satélite) estiver totalmente implantado nos táxis, qualquer pessoa poderá trabalhar na operação'', diz o presidente da Faixa Vermelha, Dilson Alves.

Por enquanto, 90 carros da cooperativa já dispõem da tecnologia. Na Sereia, a implantação está em fase de estudos. ''O custo é muito alto'', afirma Pinheiro.

Os operadores, no entanto, não estão preocupados. ''Sempre vai ter de existir um piloto'', garante João Moreira. ''Quem vai dar conta de soltar as corridas quando o sistema cair ou sair do ar?'', questiona.

Valdir Campos concorda. ''Talvez o posto possa ser ocupado por alguém menos experiente, mas nem todos os caminhos estão no mapa digital''.

O fato é que as novas tecnologias facilitam a vida desses profissionais como eles nunca imaginaram. Há dez anos, conta Campos, sua área de trabalho era totalmente tomada por papeletas, guias e mapas impressos. Hoje, praticamente tudo se resolve com softwares.

Ainda assim, o cansaço e a dificuldade para se desligar do trabalho prevalecem. ''Às vezes, minha mulher me cutuca no meio da noite para eu parar de soltar corridas enquanto durmo'', revela o operador.

Mas pergunta se ele pensa em largar a profissão? ''De jeito nenhum. Isso aqui virou uma cachaça'', diz, antes de correr para a cadeira e render o colega do turno anterior.

por OMAR GODOY
com fotos de MARCOS BORGES
setembro de 2008

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