EM NOME DE "PAPAI"

Fiéis do Ministério Crescendo em Graça
cultuam o número 666 e acreditam que
seu líder é a reencarnação de Jesus Cristo


Membros exibem, orgulhosos, tatuagens com o número 666


Os cultos são transmitidos ao vivo, pela internet, a partir dos EUA


João Pierozan: bebida, cigarro e festa.


00000000000000000 Dona Landa: "Nunca mais senti tristeza"

Criança, ou "super-raça", recebe mensagem em outra sala


Na sobreloja de uma oficina mecânica, no bairro do Rebouças, funciona um centro educativo do Ministério Internacional Crescendo em Graça. Inaugurado há quatro meses, é o primeiro de Curitiba e um dos mais de 30 espalhados pelo País. Ali, cerca de 50 pessoas se reúnem, duas vezes por semana, para ouvir as palavras de seu guia, o porto-riquenho José Luis de Jesús Miranda.

Miranda, 62 anos, não é apenas o líder dessa denominação evangélica fundada em 1986 e que já conta com 355 centros em 30 países. Seus seguidores o consideram a reencarnação de Cristo, o novo mediador entre Deus e os homens. ‘‘Jesus Cristo Homem’’, ‘‘O Desejado das Nações’’, ‘‘Juiz de Todos’’, ‘‘Deus dos Deuses’’ e ‘‘Papai’’ são apenas alguns dos nomes pelos quais ele é tratado.

Sua principal mensagem é bem clara: Jesus de Nazaré, o da primeira vinda, sacrificou-se na cruz para destruir o diabo e erradicar o pecado da face da Terra. Sendo assim, todos os indíviduos estão automaticamente salvos. E devem desfrutar a vida sem medo e culpa, pois Deus não se preocupa com a carne, só com o espírito.

‘‘Salvo sempre salvo’’ é um dos lemas do ministério, que não estabelece qualquer tipo de proibição aos fiéis. Eles podem beber, fumar, dançar e até manter relações homossexuais. Aliás, é cada vez mais comum encontrar membros de Crescendo em Graça divulgando a palavra de Papai nas paradas gay que acontecem Brasil afora.

Para reconhecê-los, basta prestar atenção em suas tatuagens. Quase sempre à mostra, trazem a inscrição 666, também exposta em cartazes e materiais impressos. Mas não se trata de uma referência satanista. Baseando-se em interpretações controversas da Bíblia, os fiéis acreditam estar diante de um símbolo de prosperidade e sabedoria.

Em frente à oficina, uma jovem maquiada, com roupas curtas e decotadas, recepciona a reportagem. Impossível não perceber o número 666 estampado em seu ombro. ‘‘Melhor noite, abençoados’’, diz, numa forma de saudação comum entre os fiéis. Ela se identifica como Luana, filha do responsável pelo centro, Joanísio Araújo.

Enquanto subimos a escada para a sobreloja, a moça lamenta a chuva que cai sobre Curitiba naquela noite de sexta-feira. Mas afirma, ou supõe, que ao menos 20 pessoas participarão da reunião. Em seguida, somos recebidos por Joanísio, cujo visual inclui terno, gravata e um brinco na orelha esquerda.

Empresário do ramo de informática, ele é o ‘‘colaborador’’ de Crescendo em Graça na cidade. Porque, segundo a Bíblia, existe somente um pastor – e este, claro, é José Luis de Jesús Miranda. Por conta disso, não há pregadores no ministério.

Os cultos são transmitidos ao vivo, via satélite e internet, a partir de Miami (EUA), onde funciona a sede mundial. De lá, o próprio Jesus Cristo Homem fala semanalmente para os 355 centros educativos espalhados pelas américas e a Europa.

Os ‘‘abençoados’’ e ‘‘abençoadas’’ vão chegando e Luana corre para uma saleta ao fundo do auditório improvisado. Aciona o telão e logo todos estão acompanhando uma banda em um tema cantado em espanhol, que celebra as glórias do Juiz de Todos.

A euforia dura pouco, pois problemas técnicos derrubam a conexão com Miami. Joanísio, de pé em frente a um púlpito, pede desculpas e avisa que assistiremos a um DVD. É o registro da última passagem de Papai pelo Peru.

Quando o líder aparece, a comoção é geral. Os fiéis apontam para a tela, batem palmas, assobiam e gritam como se estivessem em um estádio de futebol. Antes que ele comece a falar, porém, o colaborador anuncia: ‘‘A super-raça, por favor, dirija-se à sala ao lado’’.

Super-raça são as crianças de Crescendo em Graça, as primeiras criadas sem a noção de pecado. Elas participam do encontro em um local separado, onde uma espécie de professora ‘‘traduz’’ as mensagens do Deus dos Deuses para a linguagem infantil. Naquela noite, apenas um menino foi ao centro, acompanhado do tio e da avó – e recebeu orientações da filha caçula de Joanísio.

O vídeo começa com ataques ao Vaticano, um dos alvos preferidos de Miranda. Não à toa, cinco países predominantemente católicos da América Central já proibiram sua entrada. Quando ele diz que os padres são ‘‘pedófilos em potencial’’, a audiência se manifesta com mais gritos de incentivo. De resto, a pregação é um falatório sobre como os outros cristãos estão 2.000 anos atrasados por seguirem Jesus de Nazaré.

As atenções são desviadas duas vezes. Primeiro, para o recolhimento dos dízimos e ofertas. Depois, quando chega a hora da confissão – o momento catártico em que os membros falam em voz alta sobre suas questões pessoais.

Encerrado o culto audiovisual, Joanísio lembra que sábado é dia de evangelismo. Às 14 horas, o grupo vai se encontrar no terminal da Vila Hauer, para divulgar ‘‘a palavra’’ pelas redondezas. No domingo, o centro exibe reprises de vídeos antigos.

Recados dados, os cerca de 20 presentes começam a se abraçar calorosamente. Repórter e fotógrafo não são poupados dos carinhos. No corredor, um detalhe nas portas dos banheiros chama a atenção. Em vez de ‘‘Masculino’’ e ‘‘Feminino’’ (ou algo que o valha), lê-se ‘‘Abençoado’’ e ‘‘Abençoada’’.

Já de saída, pergunto a um do fiéis se um dia o ministério crescerá a ponto de rivalizar com a Igreja Universal do Reino de Deus. ‘‘A Universal não é nada perto do que vai ser o governo de Papai sobre a Terra’’, garante, sem um pingo de dúvida, o abençoado.

PALAVRA DE ABENÇOADO

Mais conhecida como Landa, a dona de casa Orlandina Soares, 56 anos, orgulha-se de ser uma das primeiras fiéis do ministério Crescendo em Graça em Curitiba.

Com passagens por diversas outras denominações evangélicas, ela conta que conheceu a palavra de ‘‘Papai’’ há 14 anos, por meio de conhecidos. ‘‘Nunca mais senti tristeza, porque Jesus deixou tudo pronto quando morreu. Só existe o bem’’, afirma.

Antes da inaguração do centro educativo, ela conta, as reuniões eram realizadas em auditórios de hotéis. Agora, Landa é responsável por vender CDs e DVDs em uma banquinha montada no salão (cada unidade custa R$ 5). ‘‘É para quem perdeu algum encontro’’, explica.

Apesar de ter apenas 19 anos, Luana Araújo, filha do colaborador Joanísio, é outra veterana do grupo. ‘‘Fui criada dentro do ministério’’, diz a moça. Seu pai, ex-membro da Igreja Metodista, encantou-se com os ensinamentos de José Luis de Jesús Miranda há cerca de oito anos, quando ela e a irmã mais nova ainda eram crianças. De lá para cá, a família só fez aumentar sua crença no Jesus Cristo Homem.

Luana admite que suas tatuagens assustam quem não a conhece direito, mas garante que jamais se arrependerá delas. ‘‘Uma vez que o véu é retirado, não se volta atrás’’, afirma a moça, que atualmente estuda para ingressar na Polícia Militar.

A julgar pelo que dizem os fiéis, o grande atrativo de Crescendo em Graça é a possibilidade de levar uma vida sem culpa. ‘‘Eu não concordava com esse negócio de pecar e pedir perdão, pecar de novo e pedir perdão. Achava isso uma hipocrisia’’, diz João Pierozan, 44, formado no catolicismo.

Técnico de uma fábrica de móveis, ele participa do ministério desde 1996. E não tem problemas em dizer que fuma, bebe, sai para dançar, etc. Tudo com moderação e noção das conseqüências. ‘‘O que você plantar, vai colher’’, esclarece.

Mas daí a acreditar que Cristo tem casa em Miami não é um grande salto? ‘‘As evidências estão na Bíblia. Em Hebreus, por exemplo, está escrito que ele aparecerá pela segunda vez sem pecado, exatamente como prega José Luis de Jesús Miranda’’, afirma Luana. ‘‘Ele mesmo diz que foi difícil se aceitar como Jesus Cristo Homem’’, completa Joanísio.

A professora Cibele (nome fictício), 30, freqüenta as reuniões há quatro anos. Homossexual assumida, ela garante que não ingressou no ministério apenas pelo fato de ter sua orientação aceita pelos demais.

‘‘Se Jesus se sacrificou por nós, por que tudo continua igual no mundo? Era isso que eu não entendia no catolicismo e no espiritismo’’, explica.

Cibele tem uma nova namorada, que respeita sua crença e não se assustou com a tatuagem inusitada. ‘‘Quem teve medo foi o próprio tatuador. Por pouco ele se recusou a fazer’’, revela.

"MARKETING ANGELICAL"

O telefone toca dez minutos antes do horário marcado. ‘‘Melhor dia, abençoado. Você já está pronto para conversar com o Bispo Kele?’’, pergunta Riane, assessora de imprensa do ministério Crescendo em Graça no Brasil.

O carioca Pedro Kele, um ex-bancário de 50 anos, é o principal representante de José Luis de Jesús Miranda no País. Tem status de bispo e coordena um rebanho de mais de 10 mil fiéis em todo o território nacional.

Não se sabe ao certo o tamanho do patrimônio brasileiro do grupo, mas sua estrutura inclui programas e emissoras de rádio, sites, publicações semanais, edifícios e uma infinidade de equipamentos de áudio e vídeo.

Quem informa é o próprio Kele, simpático e solícito como todos os outros membros do ministério. ‘‘No momento, temos o sonho, o desejo ardente de produzir um programa de tevê em nível nacional’’, afirma, de seu escritório no Rio de Janeiro. Por enquanto, apenas algumas cidades captam, via antena parabólica, o sinal da TeleGracia, o canal por satélite de Crescendo em Graça.

Egresso da Igreja Congregacional Pentecostal, Kele segue os ensinamentos de Miranda há nove anos. Ele admite que teve uma ‘‘experiência muito forte’’ com Jesus de Nazaré, porém mudou sua maneira de ver o mundo após compreender que não existe mais pecado.

‘‘Eu via as outras pessoas alegres e felizes jogando bola, indo à praia, tomando cerveja... Só que os meus antigos pastores condenavam tudo isso, sendo que eles eram os primeiros a transgredir as normas quando saíam da igreja’’, diz.

Sobre a crença de que Miranda é a segunda vinda de Deus, Kele é enfático.‘‘Não foi ele que se auto-intitulou assim. Com o tempo, a própria comunidade o reconheceu dessa forma, baseada em evidência bíblicas’’. E cita uma epístola do apóstolo Paulo: ‘‘Está em Tessalonicenses que o Senhor virá assim como um ladrão na noite. Ou seja, na forma menos esperada’’.

De acordo com o bispo, a verdade sobre o número 666 também se encontra na Bíblia. Entre as referências, está a de que Salomão, o homem mais sábio e rico de seu tempo, cobrava impostos anuais de 666 talentos de ouro. ‘‘Por que não 600 ou 700?’’, questiona.

Comento que o culto ao número acabou se tornando uma forma de marketing, ou anti-marketing, pois atrai as atenções para o ministério. Kele concorda. ‘‘Eu diria que é um marketing angelical. Isso saiu como uma flecha pelo mundo e ajudou a nos divulgar, pois qualquer pessoa conhece o número 666’’.

Por fim, menciono artigos publicados em sites e revistas do meio cristão que consideram o ministério uma ‘‘seita apocalíptica’’ e temem um suicídio coletivo liderado por Miranda. Kele dá uma risada e diz que não há o menor risco de acontecer uma tragédia. ‘‘Simplesmente porque isso não está Bíblia’’, afirma.

Ministério Crescendo em Graça no Brasil

por OMAR GODOY
com fotos de THEO MARQUES
outubro de 2008

Nenhum comentário :