CAMELÔS ELETRÔNICOS

Redes de TV dedicadas ao varejo
já contam com dez canais em Curitiba


Gravação da TV Mais: lojistas orgulhosos e clientes fidelizados

Lojas de carros usados predominam na programação do Shop Tour


É a primeira aparição de Gemerson da la Rosa no canal Shop Tour. Vendedor de uma loja de carros seminovos, ele até que se sai bem, apesar de repetir a gravação algumas vezes. Parece estar tão à vontade que, no fim do comercial, improvisa um bordão: ‘‘Seminovos de verdade!’’, diz, quase atropelando a apresentadora.

Em outro ponto da cidade, Carlos Alberto Mundim grava sua participação semanal na TV Mais. Um pouco mais experiente, fala das novidades de seu pet shop com a empolgação e rapidez de um camelô. Chega a contrastar com o tom manso da comunicadora ao seu lado.

Há cerca de dois anos no ar, os canais curitibanos das redes Shop Tour e TV Mais concorrem no nicho das TVs de varejo. A proposta é simples: produzir anúncios curtos com lojistas que não poderiam pagar por um espaço nas emissoras abertas - e reprisá-los exaustivamente.

‘‘A televisão aberta vende audiência, enquanto nós vendemos freqüência’’, explica Décio Cardoso, superintendente do Shop Tour em Curitiba. A rede, que existe há dez anos e já atinge mais de 50 cidades brasileiras, tem sete canais locais (dois na NET, dois na TVA, outros dois em UHF e um em VHF). Conta com 60 funcionários e mantém seis equipes de gravação na rua, das 8 às 18 horas.

São 700 clientes, 200 deles atualmente no ar - os outros anunciam sazonalmente. Cento e vinte no segmento ‘‘motors’’ (carros, motos e afins) e 80 de negócios variados (móveis, imóveis, roupas, clínicas, etc). ‘‘Curitiba tem 1.700 lojas de veículos seminovos, um mercado enorme’’, diz Cardoso.

Fundada em 2002, no ABC paulista, a TV Mais está em 25 municípios. Por aqui, exibe seus conteúdos em três canais (na TVA, NET e em UHF). Suas três equipes de gravação produzem em média oito comerciais por dia, a grande maioria em lojas de móveis, decoração e cozinhas planejadas.

‘‘A TV de varejo cria um elo entre o comerciante e o consumidor. Satisfaz o ego do primeiro e fideliza o segundo’’, afirma Marcelo Bevenuto, gerente local da rede, que tem 400 clientes na cidade (90 deles no ar).

Mas os canais de vendas não vivem apenas de inflar egos - ainda que muitos lojistas não consigam esconder o deslumbramento de estar em frente às câmeras. É preciso dar retorno para um investimento de cerca de R$ 3 mil por mês.

Em geral, as redes negociam pacotes de oito a 14 inserções diárias, em um período de quatro semanas. No fim das contas, o comerciante aparece na TV durante 12 minutos diários, às vezes em mais de um canal. Para descomplicar, pode-se dizer que o custo de cada inserção fica em torno de R$ 13. ‘‘É mais barato do que fazer panfletagem na rua’’, garante Cardoso.

Mundim, dono de dois pet shops, conta que suas vendas aumentaram em 40% desde a entrada na grade da TV Mais, há dois anos. ‘‘No início é devagar, mas depois de quatro meses a coisa estoura, até que acaba se estabilizando. Agora não posso deixar de anunciar, senão caio no esquecimento’’, afirma.

De acordo com Gemerson, da loja de carros, três de cada dez compradores mencionam o Shop Tour. Para ele, o canal virou uma referência no mercado de automóveis em Curitiba. ‘‘Eu mesmo assisto à programação para ter noção dos preços da concorrência’’, admite o vendedor de seminovos. Seminovos de verdade, claro.

"PONHÁ NO BORSO"

Superexpostos, os apresentadores das TVs de varejo contam que são reconhecidos nas ruas e recebem outras propostas de trabalho graças às aparições constantes no vídeo. ‘‘Por causa da TV Mais, hoje também faço um programa numa emissora aberta’’, diz Kelly Romanow, 33 anos.

Kelly deixou a carreira de administradora de empresas para se dedicar à TV. Hoje, concilia os dois empregos. ‘‘Mas no canal de varejo me considero vendedora’’, afirma.

Andressa D’Andrea, 29, pensa diferente. Formada em jornalismo, ela diz que a linguagem do Shop Tour, onde trabalha, coloca o comunicador na posição do consumidor, e não do lojista. ‘‘Não vendo os produtos, quem vende é o cliente’’, esclarece a apresentadora do extinto programa Ligados e Sarados, sobre saúde e bem-estar.

Seja como for, a convivência com os comerciantes nem sempre é fácil. Afinal, tratam-se de pessoas sem a mínima experiência em comunicação - e que estão pagando para aparecer de forma positiva na TV. Como não há um texto definido, o risco de errar é grande, e muitas gravações têm de ser repetidas.

Alguns comerciantes pecam por excesso de vaidade. Querem aparecer mais do que o apresentador e acabam atrapalhando (quando não fazem questão de mostrar a família e os amigos no ar). Outros exigem que os comunicadores conheçam dados técnicos sobre seus produtos, e se irritam quando isso não acontece.

Mas não há nada pior do que os erros de português. ‘‘O pátio está ‘repreto’ de carros’’, ‘‘Você nem precisa ‘ponhá’ a mão no ‘borso’’’ e ‘‘O veículo já vem ‘praquinhado’ (emplacado)’’ são algumas das barbaridades mais cometidas contra a língua pátria.

‘‘A gente acaba ensinando o cliente a se comunicar na TV. Em muitos casos, também desenvolvemos uma estratégia de marketing para ele’’, diz Andressa, enquanto sua maquiagem pesada derrete sob o sol do início da tarde

por OMAR GODOY
com fotos de MAURO FRASSON (Shop Tour)
e MARCOS BORGES (TV Mais)
outubro de 2008

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