INVASÃO DIGITAL

Sem luxo ou decoração, lan houses
se multiplicam nas regiões mais afastadas do Centro

Juliana e Jairo: monitores usados e bancada artesanal garantem a hora a R$ 1

A cabeleireira Edna Ramalho e seu salão-lan: quebra-galhos da vizinhança

Glaciara: micros, guloseimas e materiais de papelaria.



A exemplo de milhares de outras cabeleireiras, Edna Ramalho também montou um salão improvisado ao lado de casa, em Pinhais (Região Metropolitana de Curitiba). Tudo muito informal, sem qualquer tipo de luxo ou decoração. Em um canto meio escondido, porém, três computadores de última geração destoam do resto do ambiente. Trata-se de uma mini-lan house, que há cerca de um ano serve de quebra-galhos para o pessoal da vizinhança.

''Minha filha foi demitida e, para não ficar parada, pegou o dinheiro do acerto e comprou essas máquinas'', conta a cabeleireira. Enquanto esperam para ser embelezadas, as clientes verificam e-mails, imprimem faturas bancárias e mandam currículos. Já a garotada se interna nos jogos online ou passa horas conversando no MSN e bisbilhotando a vida dos outros no Orkut. É a tal da inclusão digital, a um preço de apenas R$ 1,50 a hora.

Casos como o do salão-lan de Edna são cada vez mais comuns nas periferias brasileiras. Com um investimento entre R$ 7 mil e R$ 9 mil, qualquer pessoa com conhecimentos de informática pode montar seu próprio negócio. E os números não mentem. Uma pesquisa recente, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação (Cetric.br), aponta que os locais públicos e pagos são os principais pontos de acesso à internet no país.

No total, 49% dos internautas internautas brasileiros navegam em lan houses, cyber cafés e afins (um crescimento de 19% em relação a um estudo semelhante de 2006). O levantamento do Cetric.br também mostra que 40% acessam em casa, 24% no trabalho, 15% na escola e 6% em centros grauitos.

Outro dado interessante dá conta de que o público das lans se concentra nas classes D e E, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. E mais: 59% dos brasileiros nunca acessaram à internet, enquanto 47% jamais viram um computador de perto - um sinal de que esse tipo de negócio só tende a crescer.

APENAS R$ 1 A HORA

No coração do Bairro Alto, há seis lan houses em franca competição. A mais nova, aberta no início deste mês, divide espaço com uma loja que também oferece acessórios para videogames, fotocópias, gravações de CDs e DVDs, brinquedos e presentes em geral (leia-se quinquilharias chinesas). ''Estamos aqui há cinco anos. Quando colocaram a sala do lado para alugar, montamos a lan para evitar a concorrência e ter outra fonte de renda'', explica a dona, Juliana Cavalcante. Ela fica de olho nas cinco máquinas instaladas, enquanto os outros negócios ficam por conta do marido, Jairo Brasil.

Detalhe: a hora na Brasil & Cavalcante (nome da loja) custa apenas R$ 1, contra R$ 1,50 e até R$ 2 dos concorrentes. Comparado ao preço médio cobrado no centro de Curitiba, R$ 3, é o melhor custo-benefício da Região Metropolitana!

Como ninguém faz milagres, há uma razão para tamanha pechincha. O casal comprou monitores usados, e o próprio Jairo construiu as bancadas. Mas isso parece não ter importância para a clientela. ''Com a internet, passei a ganhar mais nota na escola'', orgulha-se a menina Eloana Caroline, 11 anos, em meio a uma pesquisa no Google para um trabalho de Inglês. ''Entro no Orkut e no MSN, mas também bato papo com o pessoal que vem aqui na loja'', diz o estudante Robson de Oliveira, 18, cujo computador está parado em casa, há três meses, por falta de uma peça.

Os proprietários se mostram surpresos com o sucesso do empreendimento. ''No horário de pico, logo depois do almoço, isso aqui lota. O pessoal chega a ficar uma hora do lado de fora esperando. Já estamos pensando em comprar mais cinco máquinas'', revela Juliana.

A menos de uma quadra dali, os donos da distribuidora de doces 7 Gullas também aprenderam que diversificar pode ser uma estratégia interesante. Em 2006, pai, mãe e filhos montaram o ponto em frente ao colégio Cecília Meirelles para vender guloseimas, biscoitos, sucos, sorvetes e materiais de papelaria. Chegaram a abrir uma seção com produtos de mercearia, mas trocaram os sacos de arroz, feijão e farinha por quatro micros de última geração. Quarenta dias depois, comemoram a mudança.

''Não dá para reclamar. A lan já representa 24% do nosso faturamento'', afirma Glaciara Martins, matriarca do clã. De acordo com ela, é raro um internauta não consumir outros produtos da loja, que também oferece serviços de impressão, fotocópias, encadernação, plastificação e recarga para telefones celulares.

O segredo do sucesso, segundo Glaciara, está no bom relacionamento da família com a vizinhança. ''As mães sabem quem somos, então deixam os filhos jogando ou navegando na internet enquanto vão ao mercado. É como a gente fazia antigamente no bondinho da Rua XV'', compara.

PLANO DE NEGÓCIO

Como boa vontade e alguns mil reais no bolso não são suficientes para obter sucesso em um empreendimento, recomenda-se buscar apoio no Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Por meio dos cursos oferecidos pela entidade, os aspirantes a dono de lan house se tornam aptos a elaborar um plano de negócio, para mapear o mercado e correr menos riscos.

''No setor de serviços, o ramo das lans é um dos mais procurados. Mas, infelizmente, a gente sabe que o número de pessoas que não busca orientação ainda é muito grande'', lamenta Paulo Tadeu Graciano, consultor do Sebrae. Ele chama atenção para um requisito básico, porém muitas vezes ignorado por quem se aventura nesse território: ter bastante afinidade com informática. ''No caso de uma loja com poucas máquinas, o proprietário deve ser o técnico de hardware e software. Se ele não souber prestar consultoria aos clientes, inviabiliza o empreendimento'', afirma.

Também é importante conhecer o perfil da clientela e, principalmente, estar ligado à dinâmica do negócio. ''Em alguns casos, o proprietário vai precisar trabalhar até mais tarde e nos fins de semana para fazer a loja dar lucro. Ele realmente está disposto a isso?'', questiona.

Quanto a agregar outros tipos de serviço ao ponto, Graciano tem suas dúvidas. Afinal, é importante que o empreendedor não perca o foco. Ele usa como exemplo o salão da cabeleireira Edna. ''Se os clientes acessam a internet enquanto esperam para ser atendidos, é sadio. Mas se os adolescentes atrapalham as senhoras que estão ali para cortar o cabelo, não''.

Se tudo der certo, em dois anos é possível ter o retorno de um investimento de cerca de R$ 10 mil. No entanto, não custa lembrar que reinvestir regularmente em novas máquinas e softwares é fundamental para a manutenção da clientela. Melhor pensar duas vezes antes de transformar seu carrinho de cachorro-quente em uma lan-dog.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA
maio de 2008

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