DO CHUVEIRO PARA O MUNDO

Professor desmistifica a voz com
''aulas de canto para desafinados''


Cléia, cantora de uma grupo vocal: Não me achava capaz

A bancária Lúcia: músicas de Michael Jackson e Nikka Costa

Para o professor Paulo Valente, qualquer indivíduo pode desenvolver a voz


Que no peito dos desafinados também bate um coração, todo mundo sabe. Mas isso não libera ninguém a sair cantando por aí. Pelo contrário. Apesar de o homem emitir vocalizações desde a pré-história, qualquer pessoa pensa mil vezes antes de soltar a voz em público.

No imaginário geral, a habilidade de cantar é um dom, um presente divino concedido a meia dúzia de sortudos. Na contramão desse mito, o professor de canto Paulo Valente garante: com exceção dos portadores de alguma patologia, todos os indivíduos podem desenvolver sua voz.

Amazonense radicado há 13 anos em Curitiba, Valente atrai alunos por meio de um chamariz peculiar. Em seus anúncios e folhetos, oferece ''aulas de canto para desafinados''. E, ao contrário do que possa parecer, não são poucos os que driblam a vergonha e o procuram.

Na prática, não existe um conteúdo didático específico para quem desafina. As aulas são iguais para todos, iniciantes ou não. Até porque, ele conta, há uma confusão conceitual sobre o assunto. ''Desafinação é quando você canta um som e alguém não consegue reproduzir. E por não conseguir, a pessoa passa a achar que sua voz é feia.''

Valente ainda diz que, para piorar, certos professores acabam desencorajando os alunos. ''Existe gente que tem uma voz muito interessante, mas que desistiu de cantar por não se encaixar no padrão imposto. Também há casos de vozes agradáveis que se tornaram estranhas depois de passar por aulas.''

Por essas e outras, ele desenvolve uma metodologia baseada justamente na desmistificação do canto. A proposta é ajudar o aluno a descobrir os próprios recursos, respeitando as limitações e aumentando a auto-estima.

De acordo com Valente, nenhum timbre de voz é igual ao outro, como as impressões digitais. No entanto, a grande maioria dos professores atua no sentido de moldar seus pupilos. ''Somos apenas facilitadores, mas há quem se veja como um autor'', diz.

Como não poderia deixar de ser, essa postura crítica trouxe dificuldades para o professor e eventual concertista. Na escola onde se formou bacharel em Canto, Paulo contestou a técnicas ensinadas e bateu de frente com seus mestres.

Valente hoje conta com 20 alunos regulares, que pagam R$ 80 por aula. Os encontros são semanais e ele só aceita novos aprendizes mediante um compromisso: estudar, no mínimo, uma hora por dia.

E se o pupilo tem sérios problemas de auto-estima, o professor ataca de psicologia da educação. ''Ninguém tem a capacidade de dizer se o outro tem talento ou não'', afirma. Taí um bom argumento para trocar o chuveiro pelo palco - nem que seja o do karaokê.

SUCESSO NO KARAOKÊ

A bancária Lúcia França, 41 anos, sempre gostou de cantar. Achava sua voz suave, porém sentia que faltava força. Procurou uma professora de canto e teve aulas por alguns meses. Desistiu por não perceber qualquer tipo de progresso.

Cléia Delicoli, 38, é coordenadora de marketing de uma empresa. Também tinha, lá no íntimo, o desejo de soltar a voz. A convite de um amigo, entrou para um grupo vocal que se apresenta em missas, nos fins de semana. Ainda assim, sentia-se insegura.

As duas são alunas do ''professor dos desafinados'' e estão, literalmente, descobrindo a própria voz. ''Não me achava capaz sequer de ter aulas'', confessa Cléia, que conheceu Valente por indicação de um amigo. Para ela, cantar bem era sinônimo de cantar alto. Estava errada, claro.

Mas o que pegava mesmo era a confiança. Ou melhor, a falta dela. ''O que mais trava, no fim das contas, é não acreditar'', afirma. Hoje, Cléia se diz mais à vontade para cantar e até gravou um CD com o grupo.

Despretensiosa, Lúcia decidiu procurar Valente após ver um anúncio de suas aulas na televisão. Depois de três meses de encontros semanais, já sente uma evolução. E revela: testou suas novas habilidades num karokê.

Cantou as baladas ''On My Own'' (Nikka Costa) e ''Ben'' (Michael Jackson). Foi aplaudida e elogiada. Mas perdeu uma parceira de cantoria. ''Minha amiga disse que não vai mais cantar comigo, porque minha voz está muito forte'', conta, toda orgulhosa.

por OMAR GODOY
com fotos de DIEGO SINGH
agosto de 2008

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