LUVAS COR-DE-ROSA

Celeiro de campeões dos ringues, Curitiba
vê surgir uma geração de mulheres lutadoras

Garotas que praticam artes marciais querem ser reconhecidas como atletas

Antes dedicadas apenas aos treinos, lutadoras agora participam de disputas oficiais

Ingart: afastada dos ringues por conta de lesões

Jennifer Maia jamais perdeu uma luta


O título provisório desta matéria era ‘‘Briga de Mulher’’. Nada mais politicamente incorreto. Garotas que praticam artes marciais não brigam, lutam. E querem ser reconhecidas como atletas, apesar do preconceito que ainda ronda esse universo.

Não estamos falando de adeptas de caratê, judô e outras modalidades olímpicas. O papo aqui é muay thai, jiu-jitsu e vale-tudo, lutas em que a agressividade é tão importante quanto a técnica. Celeiro de campeões do gênero, Curitiba conta com academias em quase todos os bairros. Era só uma questão de tempo para que as moças também aderissem aos ringues e tatames.

No começo da década, escolas como Chute Boxe, Thai Boxe, Noguchi e World Strong passaram a receber um número cada vez maior de garotas. Inicialmente, elas só queriam manter a forma por meio dos treinos pesados característicos desses esportes. Mas algumas delas se aprimoraram e decidiram encarar as disputas oficiais.

‘‘Naquele tempo, luta feminina era um freak show. Hoje, alguns torneios já programam como combate principal’’, festeja Ingart Domingos, 29 anos, da academia Chute Boxe. Ela e outras dez atletas conversaram com a reportagem da FOLHA sobre treinamento, feminilidade, machucados e, é claro, namorados.

Aliás, a maioria entrou nesse mundo por influência dos rapazes. ‘‘Não vou mentir. Comecei a me interessar por luta porque gostei de um professor’’, diverte-se Bárbara Philipsen, 21.

Com o tempo, elas contam, fica difícil se envolver com quem não é do meio. Além de treinar com homens, o que desperta cíumes, as praticantes colecionam hematomas por todo o corpo. ‘‘Já tive um namorado que vivia reclamando disso. Preferi ficar com a luta’’, conta Letícia Bacil, 18.

Haja pomada, gelo e creme para diminuir e esconder as marcas. Em alguns casos, é preciso pegar leve na academia para não chegar no trabalho estropiada. A policial militar Andréia Alberti, 30, por exemplo, evita a todo custo receber golpes no rosto. ‘‘Trabalho na Delegacia da Mulher. Imagina se alguma vítima de violência chega lá e me vê de olho roxo?’’, brinca.

As conseqüências nem sempre se limitam a manchas roxas aqui e ali. Até porque o muay thai, popularmente conhecido como boxe tailandês, inclui duríssimos golpes de joelho e cotovelo. E o que dizer do vale-tudo, cujos combates quase sempre terminam em sangue? Adriana Moreira, 19, achou que nunca mais treinaria após ter problemas no nervo ciático. Ingart, cuja trombose foi agravada pelas pancadas, deve ficar seis meses longe dos ringues.

O risco de lesões preocupa os pais das lutadoras, que também não vêem com bons olhos a transformação física das filhas. Mas, para elas, ter o corpo forte não é apenas um reflexo do condicionamento rigoroso. ‘‘A gente gosta desse visual mais definido’’, confessa Andréia, mulher de um treinador e mãe de duas meninas pequenas.

Apesar do orgulho pelos músculos desenvolvidos, cada atleta tem seus truques para não perder a feminilidade. Adriana usa um par de luvas cor-de-rosa. Mais performática, Letícia prepara uma entrada triunfal para seu próximo combate. Encomendou uma espécie de calção-saia e vai usar a música ‘‘Barbie Girl’’ como tema de seu trajeto até o ringue.

Há apenas uma dificuldade que elas não conseguem contornar: a TPM e suas alterações de humor. ‘‘Já saí várias vezes do treino chorando sem motivo’’, conta Ingart..

O sentimentalismo, no entanto, fica restrito à fase de preparação. Quando chega a hora de encarar a adversária, a ordem é bater firme. ‘‘É melhor que a mãe dela chore do que a sua’’, diz Letícia, repetindo um bordão comum entre as lutadoras. Alguém aí falou em sexo frágil?

GAROTA IMBATÍVEL

Atualmente nos Estados Unidos, onde disputa uma série de combates de vale-tudo, a curitibana Cris Cyborg, 23 anos, é a principal referência das jovens lutadoras. Mas enquanto o ídolo desbrava terras estrangeiras, todas as atenções locais estão voltadas para uma garota aparentemente inofensiva, de apenas 19 anos.

Com um cartel de 13 lutas oficiais realizadas, e nenhuma derrota, Jennifer Maia é a nova ''esperança feminina'' da cidade. Praticante de muay thai, jiu-jitsu, boxe, vale-tudo e afins, ela se dedica em tempo integral aos ringues e tatames. Quando não está treinando ou lutando, dá aulas na academia Chute Boxe. ''Decidi que é isso o que quero fazer na vida'', afirma.

Notícia em sites especializados de todo o País, Jennifer venceu adversárias de outros estados e aguarda novos desafios de muay thai, sua especialidade. Mas ela não pára. No próximo dia 25, defende o título de campeã paranaense de boxe, conquistado no ano passado.

Pupila do professor Ed Carlos ''Monstro'' desde os 13 anos, a lutadora não esquece do que sentiu antes de sua primeira luta. ''Eu me perguntava: 'O que estou fazendo aqui?'''. Hoje, no entanto, Jennifer se deixa tomar pela adrenalina, ao mesmo tempo em que lida com a responsabilidade de ser ''imbatível''. ''Por eu nunca ter perdido, a pressão é maior. Mas, quando começa a luta, eu só penso em dar show''.

por OMAR GODOY
com fotos de MAURO FRASSON
julho de 2008

Nenhum comentário :