CANAL BABEL

Diversidade radical é o combustível
da TV Comunitária, há 10 anos no ar

Produtores do Super Show tiram dinheiro do bolso para pagar o programa

Tânia Mara Gross: leitura do tarô cigano ao vivo

Lauda, do Quarta Dimensão, é um dos mais antigos do canal


Responda rápido. Onde convivem, juntos, socialites, roqueiros, místicos, políticos, pregadores e calouros, entre outras figuras? Acertou quem disse que todos eles se encontram nos canais 5 da NET e 72 da TVA. Ou melhor: na CWB TV, novo nome da TV Comunitária de Curitiba, que acaba de completar 10 anos de fundação.

Atualmente, 53 atrações compõem a grade de programação do canal, disponível para consulta no site www.tvcomunitaria.org. Há de tudo um pouco, e os programas nem sempre são exibidos em blocos temáticos. O Espiritismo na TV antecede o Estilo & Glamour. Depois do Blindagem (capitaneado pela banda de rock homônima) vem o Presença e Harmonia. A astrologia do Quarta Dimensão dá lugar ao Ego, sobre estética e beleza. E por aí vai, numa salada que também inclui economia, política, negócios e assuntos de cunho social.

Por lei, as operadoras de televisão por assinatura são obrigadas a ceder um canal para a comunidade local. O Brasil já conta com 80 tevês do gênero, com destaque para a de São Paulo e seus mais de 100 programas. Ainda assim, é um número pequeno se comparado ao de países como o Canadá, com quatro mil emissoras comunitárias.

Nestas bandas, o espaço é gerido pela Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário em Curitiba e Região Metropolitana. Um grupo para lá de heterogêneo, que reúne cerca de 50 entidades como o Núcleo de Pesquisas Ufológicas, a Sociedade Espírita Mensageiros das Paz, a Associação de Cultura de Rua Hip-Hop, o Sindicato dos Servidores Públicos de Agricultura e Meio Ambiente e a Igreja Quadrangular. Todas sem fins lucrativos e, pelo menos em tese, não ligadas diretamente a partidos políticos.

Os associados pagam uma mensalidade de R$ 35, têm poder de voto nas assembléias e gastam menos para gravar e exibir seus conteúdos. A taxa de produção é de R$ 90 para atrações de 30 minutos. A de veiculação, R$ 2,50 o minuto. Mas apenas 30% dos programas da CWB TV, associados ou não, utilizam os estúdios do canal. O restante entrega as fitas prontas para serem colocadas no ar.

Com um custo mensal que beira os R$ 20 mil, a tevê não recebe verbas públicas e funciona numa casa cedida pela Pastoral da Criança. O staff é formado por seis profissionais contratados e ‘‘muitos estagiários’’, como explica o diretor de programação, Rafael Cury. Mais conhecido por sua atuação como ufólogo, ele ingressou na associação a convite dos amigos Wilson Picler (dono do grupo educacional Uninter) e Jorge Bernardi (vereador pelo PDT) – hoje presidente e secretário do canal, respectivamente. Pegou gosto pela coisa e não largou mais.

Cury explica que a recente mudança de nome para CWB TV faz parte de uma estratégia para melhorar a divulgação do canal e, conseqüentemente, enriquecer a grade. ‘‘Ainda temos horários vagos, mas muita gente não sabe como é fácil fazer parte da programação’’, afirma. O plano ainda inclui uma campanha de marketing, prevista para o segundo semestre, e a promoção de cursos voltados aos técnicos e apresentadores.

Por conta dessa acessibilidade, a tevê abriga atrações de qualquer espécie. Algumas delas, seja por falta de qualidade ou conteúdo, acabam ganhando um tom de comédia involuntária. O que torna a CWB TV uma parada obrigatória para os fãs da cultura trash.

O programa do Centro Positivista, por exemplo, é a coisa mais anti-audiovisual de que se tem notícia. Sentando em um sofá, o apresentador septuagenário Pedro Mendonça passa meia hora lendo, de forma pausada, textos sobre a corrente de pensamento fundada por Auguste Comte. E só. ‘‘Não há regras sobre o conteúdo dos programas. Proibimos apenas racismo, apologia às drogas e propaganda política’’, justifica Cury.

Trash, porém assumido, o Super Show integra o bloco dos programas ao vivo. No ar desde agosto de 2007, é produzido por puro hobby por um grupo de jovens jornalistas e publicitários. ‘‘Não temos a preocupação de esconder nossas falhas’’, brinca o apresentador Edinei Giordani.

Exibida todas as quintas, das 21 às 22 horas, a atração traz entrevistas no estúdio, matérias externas, vídeos caseiros, números musicais e até um quadro de calouros. A participação é aberta a qualquer artista. ‘‘Já colocamos muito lixo no ar, mas somos fiéis ao espírito do programa’’, diz o diretor Tramujas Júnior.

A trupe, que já contabiliza 44 programas exibidos, custeia a produção com dinheiro do próprio bolso. Mas não cogita profissionalizar o Super Show. ‘‘A gente perderia a liberdade se fosse para um canal aberto. O grande barato é não ter compromisso com o Ibope e anunciantes’’, garante Giordani. É o lema punk ‘‘Faça Você Mesmo’’, só que em versão televisiva.

CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA

Como a audiência da CWB TV não é medida pelo Ibope, cada apresentador tem sua própria maneira de avaliar o retorno do público. ''Sou muito abordado em bancos e restaurantes'', diz o astrólogo Jaime Lauda, veteraníssimo do canal.

Seu programa, o Quarta Dimensão, está no ar há sete anos. É gravado ao vivo todas as quartas, às 21 horas, e reprisado diversas vezes ao longo da semana. O que faz de Lauda um dos rostos mais presentes na televisão local. ''É um dos nossos campeões de audiência'', diverte-se Rafael Cury.

De fala mansa, o astrólogo atende telefonemas de pessoas em busca de aconselhamento. Mas não considera o Quarta Dimensão um programa astrológico ou espiritualista. ''É mais sobre auto-ajuda e equilíbrio interno'', explica.

Lauda, que nunca contou com qualquer tipo de patrocínio, agora tem o apoio cultural de um restaurante e de uma clínica odontológica. E está criando uma ONG para poder participar das assembléias da CWB TV. ''Quero desenvolver idéias e projetos novos'', afirma o apresentador, que recebe cerca de 40 e-mails por semana de telespectadores.

Na mesma linha esotérica, tão em voga no canal, quem literalmente dá as cartas é a terapeuta de vidas passadas Tânia Mara Gross. Ela também presta consultoria ao vivo, seja por meio de mensagens positivas, da leitura do tarô cigano ou mesmo de sua mediunidade. ''Já assistiu ao filme Ghost? O que visualizo é mais ou menos aquilo'', garante a apresentadora do Equilíbrio.

Terapeuta holística há 35 anos, Tânia conta que ''fugiu da mídia'' durante muito tempo. Até que, em 1999, fez previsões para o novo milênio a pedido do Domingão do Faustão. ''Dos 11 médiuns que participaram do quadro, tive o maior índice de acertos'', orgulha-se. Daí para a aparição em outros programas foi um pulo.

O convite para trabalhar na CWB TV surgiu do vereador-apresentador Jorge Bernardi, durante um congresso de ufologia. E lá se vão três anos no ar. ''A tevê melhorou muito. Antes, mal dava para se mexer dentro do estúdio'', lembra Tânia, que para breve promete estrear um cenário ''de dar inveja à Rede Globo''.

BRIGA DE CONDOMÍNIO

Quem acompanha pelo menos de relance a CWB TV percebe que o canal está diferente. O número de atrações aumentou, há mais espaço para entretenimento e alguns programas já têm qualidade técnica digna da tevê aberta. Mas um grupo de associados não vê a nova fase com bons olhos.

Em maio do ano passado, a então TV Comunitária ganhou o noticiário por conta de uma denúncia que chegou ao Ministério Público. Dez entidades, entre elas a CUT e o Sindicato dos Bancários, tiveram seus programas retirados do ar por falta de pagamento da taxa de veiculação. Os sem-tela alegavam que a cobrança era indevida, pois a Lei Federal da TV a Cabo denomina as televisões comunitárias como ''canais básicos de utilização gratuita''.

Após muita discussão, chegou-se a um acordo. O bloco divergente ficou isento de pagamento, mas teve seus programas reduzidos a 15 minutos de duração. ''Isso é uma esmola, uma falta de reconhecimento com quem ajudou a colocar o canal de pé'', reclama Laura Costa, presidente do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea).

Uma das fundadoras da tevê, e ainda hoje integrante da diretoria, Laura afirma que a política de pagamento é apenas uma parte de sua crítica aos rumos que a CWB TV tomou a partir de 2005. ''O grupo majoritário, liderado pelo Jorge Bernardi e o pessoal do PDT, quer transformar o canal em uma empresa. A programação ficou na mão de empresários da educação, da comunicação e da fé. Perdeu-se os vínculos com a sociedade organizada verdadeiramente representativa'', lamenta.

Procurado pela reportagem, o vereador Jorge Bernardi negou qualquer tipo de interesse partidário por trás de sua atuação na tevê. Ex-presidente (entre 2003 e 2007), atual secretário e apresentador do talk-show Gestão Pública em Debate, ele afirma que o fato de figuras como Wilson Picler e Rafael Cury também militarem no PDT é ''quase uma coincidência''.

''Somos amigos e membros de movimentos filosóficos. Eu sou ligado à teosofia, o Rafael é ufólogo e o Picler representa o Nerf (Núcleo Editorial Realismo Fantástico)'', diz Bernardi. E completa: ''Meu programa recebe convidados de todas as áreas e partidos''.

Sobre a cobrança da taxa de veiculação, o vereador compara a associação que admnistra a CWB TV a um condomínio. ''Se todos contribuem com um pouco, podemos fazer muito. Não poderíamos continuar produzindo a tevê como antigamente. A qualidade era péssima''.

PROPAGANDA OU PATROCÍNIO?

Outra tendência em alta na CWB TV é o colunismo social eletrônico. Há pelo menos cinco atrações do gênero na grade, que seguem à risca a receita básica: cobertura de festas, inaugurações, eventos beneficentes e, em certos casos, lançamentos de produtos. E é aí que mora a polêmica.

A norma 13/7 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) proíbe a publicidade comercial em canais comunitários, porém permite o patrocínio da programação. O problema é que não há uma descrição do que seja patrocínio.

Já o estatuto de algumas tevês, como a de Curitiba, prevê a busca de recursos por meio do sistema de ''apoios culturais''. Por apoio cultural, entende-se a veiculação de mensagens institucionais de empresas - somente a menção à marca, sem informar endereço, site ou telefone de contato. Alguns programas, no entanto, exageram na dose e apresentam conteúdos escancaradamente pagos.

Para o secretário da tevê, Jorge Bernardi, esta é uma ''questão séria''. ''É importante fiscalizar esse tipo de distorção. Infelizmente, ainda não temos um conselho que analise esses aspectos'', diz. Seja como for, uma regra é obedecida por todos os associados: ofertas e preços não são divulgados. O resto vale, como diria Tim Maia.

O fato é que grandes empresas podem se dar ao luxo de patrocinar um programa veiculando apenas sua logomarca durante os intervalos. Os canais comunitários, no entanto, contam com o apoio dos pequenos e médios comerciantes locais, que desejam uma divulgação mais detalhada. Esta questão tem sido o principal assunto das reuniões entre a ABCCom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) e a Anatel, que deve apresentar em breve uma nova definição para as formas de patrocínio.

Outro motivo de apreensão por parte da ABCCom é o Projeto de Lei 29, do deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), que estipula as regras para os serviços de televisão por assinatura na era digital. Além de permitir o ingresso das empresas de telefonia nesse mercado, a matéria sugere que parte do que é pago pelas companhias do setor seja transformado em um fundo de apoio às tevês comunitárias e universitárias. As verbas de fomento seriam distribuídas entre produtores independentes mediante a aprovação da Ancine (Agência Nacional do Cinema), órgão regulador da indústria audiovisual no país.

Cansados de produzir com poucos recursos, os representantes dos canais festejam a proposta. Mas, sendo o Brasil como é, não será surpresa se os peixes grandes do audiovisual entrarem no nicho comunitário, atraídos pelo dinheiro do fundo de apoio. Que os pequenos fiquem de olhos bem abertos.

por OMAR GODOY
com fotos de MARCOS BORGES (Tânia)
e THEO MARQUES (Super Show, Lauda)
junho de 2008

2 comentários :

Programa Casual disse...

gostei muito da materia!!!
essa é averdade doa aquem doer!!!
pra quem viu a tv... hoje temos orgulho dela ... acho necessario cobrar pra termos mais benfeitorias na emissora e dali esta saindo muitos talentos profissionais . abraços

Programa Casual disse...

gostei muito da materia e concordo em cobrar... pois assim teremos masi equipamentos benfeitorias enfim...e dali esta saindo muitos talentos profissionais e gerando empregos . ISSO E COMUNIDADE TAMBEM!!!