QUE TAL UM PIT STOP?

Alternativo ao motel, o modelo de serv-car
se expande pelos bairros da cidade

Carro estacionado num serv-car: discrição é a alma do negócio

Atire a primeira pedra quem nunca namorou numa lanchonete drive-in. Ou melhor: num serv-car, como esse tipo de espaço é chamado em Curitiba - e apenas em Curitiba.

Ok, talvez não seja o seu caso. Mas alguém próximo certamente já desfrutou os prazeres da vida, com privacidade, dentro de um carro. Se você ainda não deu o braço a torcer, saiba que essa é uma atividade lucrativa, que começou há mais de 20 anos nos bairros centrais e hoje se expande pelos periféricos.

Há quem diga que já são mais de 30 serv-cars espalhados por Curitiba. Dos mais tradicionais, em terrenos arborizados, aos chamados boxes, isolados por lonas. Alguns destes últimos contam até com interfones para chamar os garçons. Tudo em nome da discrição, a alma desse negócio.

É tanta discrição que nenhum dos proprietários procurados pela reportagem quis se identificar. E foram poucos os que se dispuseram a falar. Como Antônio (nome fictício), dono de dois serv-cars administrados por ele e a família. Um próximo ao centro e outro no hauer, onde fomos recebidos.

A fachada é de uma lanchonete comum, com balcão e móveis de plástico. O estacionamento fica atrás, com 10 vagas individuais separadas por paredes. Em vez de portões de metal, como nos motéis, lonas de caminhão protegem os carros dos olhares alheios. Com o calor que anda fazendo, parecem verdadeiros fornos.

A mulher de Antônio e duas funcionárias tomam conta do lugar, servindo sanduíches, porções e bebidas. A regra número um, ele explica, é jamais encarar o cliente diretamente. Mesmo assim, o empresário acredita que o grande atrativo dos drive-ins não é a privacidade, e sim a segurança. "Hoje em dia, você não pode ficar cinco minutos parado com o carro na rua que alguém te assalta".

O preço também conta na hora de decidir pelo serv-car. Nas lanchonetes de Antônio, por exemplo, é cobrada uma taxa de R$ 10 de consumação. "Quanto maior a crise, melhor para o nosso ramo. Quem precisa de um lugar para namorar, e não tem condições de pagar um motel, acaba vindo para cá", afirma.

Se é difícil arrancar informações básicas dos donos, imagine dados sobre o faturamento. Não custa especular. Levando-se em conta que o movimento médio de carros bate na casa dos 30 por dia, dá para chutar que os 30 drive-ins curitibanos recebem cerca de 900 veículos diariamente.

Um chute alto, talvez, mas que fornece pistas sobre a lucratividade do setor. Seja como for, é possível dizer que quase 2 mil pessoas (pois ninguém vai num lugar desses sozinho) frequentam todos os dias os serv-cars da cidade.

LANCHINHO EXECUTIVO

A maioria das lanchonetes funciona das 10 horas à uma da manhã e cobra entre R$ 10 e R$ 12 de consumação. O "almoço executivo" e a saída das aulas noturnas são os momentos de pico. No fim de semana, o movimento é ainda mais intenso.

No Capão Raso, próximo a uma faculdade, um drive-in chama a atenção por conta dos já citados interfones. Mas o luxo para por aí. Trata-se de um lugar escuro e apertado, onde apenas um funcionário cuida de tudo.

Paulo (outro nome fictício) frita porções congeladas, bate polpas de frutas no liquidificador, serve os clientes e acerta a conta. Ainda assim, o faz-tudo se considera apenas um garçom, que trabalha num misto de "lanchonete com motel", como ele mesmo define.

Há um ano e meio no ramo, Paulo já trabalhou em outro serv-car, no Capão da Imbuia. Diz que nunca viu nada de anormal em suas jornadas noturnas, a não ser uma cliente excessivamente ruidosa. "A mulher fazia tanto barulho que eu até sabia que era ela que estava no carro", lembra.

Histórias como essa - e muitas outras impublicáveis - acontecem todos os dias. Antônio, inclusive, pretende escrever um livro de "causos" quando se aposentar. Um de seus preferidos dá conta de duas mulheres que resolveram fazer um lanchinho no meio da tarde. Foram seguidas pelo marido de uma delas, que queria invadir o box a qualquer custo.

O empresário conseguiu segurar o homem e foi chamá-las. Eram patroa e empregada, e estavam completamente nuas no automóvel. Mas não é que a esposa conseguiu virar o jogo?

"Ela saiu furiosa do carro, apontando o dedo na cara do sujeito. Disse que estava fazendo um acerto de cheques com a funcionária, pois na empresa não era seguro", conta. Resumo da ópera: o marido, arrependido, abraçou a mulher e pediu desculpas a todos. Tolinho...

Casos de violência, no entanto, são raros. Pelo menos é o que dizem os proprietários. "Só me lembro de um, presenciado pela minha filha", garante Antônio.

De acordo com ele, a confusão começou quando, por algum motivo, um travesti e seu cliente começaram a se agredir na saída do drive-in. Quando um automóvel se aproximou, o transformista fingiu ser mulher e pediu socorro, aos berros, alegando que estava grávida. "Então, uns caras desceram do carro e começaram a bater no sujeito. Mas quem mandou sair com traveco?", conclui.

Algumas passagens do gênero já viraram verdadeiras lendas urbanas. Como a da árvore que tombou sobre um carro no Verde Batel, um dos mais tradicionais serv-cars da cidade (leia mais no quadro ao lado).

"Aconteceu realmente. Pedimos autorização à prefeitura para cortar um cedro que estava quase caindo. Não conseguimos e, durante um temporal, a árvore caiu mesmo, em cima de uma brasília. O dono do carro, que estava com a amante, ficou desesperado. O que ele iria dizer em casa?", diverte-se o proprietário, Roberto (mais um pseudônimo).

Mas, afinal, como surgiu o nome serv-car, tão curitibano? Segundo Roberto, o termo foi criado por ele, para diferenciar sua lanchonete dos drive-ins que exibiam filmes. Antônio, por sua vez, não sabe dizer quem inventou, apenas a "etimologia". "Drive-in vem do inglês, enquanto serv-car é português", explica, sem mistérios.

TRADIÇÃO CURITIBANA

A história do Verde Batel remonta a uma época mais ingênua. Em 1983, quando foi inaugurado, a Avenida do Batel era o "point" da juventude curitibana. E o surgimento de um drive-in bem no meio dessa movimentação mudou os hábitos dos casais de namorados.

Uma lanchonete, no Capanema já servia lanches no carro à noite. Mas não havia privacidade para se namorar, lembra Roberto, um engenheiro que abriu o serv-car em sociedade com o irmão, então recém-chegado de uma temporada num garimpo do Pará.

Apesar da boa localização, o lugar só pegou para valer graças a uma parceria com uma emissora de rádio, que buscava um público mais jovem. "Para você ter uma ideia, a programação do domingo à tarde era transmitida ao vivo do Verde Batel", conta.

Quando o dono de uma churrascaria fez uma oferta melhor para os proprietários do terreno, o drive-in foi obrigado a se mudar. Sua última parada foi o bairro das Mercês, onde funciona há nove anos. Ali, um terreno de 3.600 metros quadrados oferece capacidade para receber 90 carros - no esquema tradicional, sem boxes ou lonas.

"Preferimos deixar assim. Nosso conceito é mais de namoro, de romance. Senão vira motel, e aí podemos ter problemas com a saúde pública e a polícia", diz o empresário. O que explica, talvez, o receio de outros proprietários em se identificar. De qualquer forma, existe uma licença da prefeitura específica para os serv-cars.

Para Roberto, espaços centrais e em grandes áreas, como o do Verde Batel, estão em vias de extinção por conta do boom imobiliário. "Onde você vai encontrar um lugar como esse, a um preço acessível, hoje em dia? É por isso que o negócio está crescendo na periferia", afirma o engenheiro, dono de outro drive-in, não muito longe dali.

por OMAR GODOY
com foto de MARCOS BORGES
março de 2009

Um comentário :

Mrsolsinha disse...

Omar, Parabéns!!! Muito boa sua reportagem. Ri muito e também foi bastante útil. Sucesso pra vc.