ELES PROCURAM PARA VOCÊ

Reportagem acompanha, passo a passo,
o trabalho de uma agência de casamentos


Todos os dias, dezenas de homens e mulheres passam discretamente por uma certa casa no Alto da XV. Trata-se de um espaço comercial, mas não há qualquer tipo de placa ou letreiro indicativo. Lá dentro, a decoração simples, um tanto antiquada, reforça a impressão de sobriedade. Tudo em nome da segurança, palavra-chave de um negócio que já dura 14 anos.

Ali, funciona o quartel general da mais conhecida agência de casamentos de Curitiba. Existem pelo menos outras quatro na cidade, porém nenhuma com tantos clientes. São cerca de mil cadastrados, que pagam uma taxa anual para incluir seu perfil no banco de dados de Sheila Rigler, uma pedagoga que deixou o serviço público para se tornar a casamenteira número um do pedaço.

Sheila garante que a Par Ideal - nome fantasia da SRC Relações Humanas - já intermediou 1.300 uniões. Para engrossar essa lista de finais felizes, os clientes devem desembolsar R$ 1 mil por ano (ou até R$ 1.300, em caso de parcelamento). Um valor, convenhamos, proibitivo mesmo para a classe média "mais média".

A proposta é mesmo selecionar os melhores partidos das redondezas. E não só delas. Há muitos cadastrados de outros estados, dispostos a se mudar de cidade para viver com alguém do sul do país (na visão deles, gente de um nível melhor, sejá lá o que isso quer dizer).

Os separados e divorciados compõem 47% do total de clientes, seguidos pelos solteiros (45%) e viúvos (8%). A porcentagem de pessoas com nível superior chega a 95%. Advogados, médicos e profissionais liberais em geral formam o grosso da freguesia. Indivíduos que aparentemente priorizaram a vida profissional, e agora correm atrás dos prejuízos afetivos.

Mulheres de 30 a 45 anos, que nunca se casaram, são o fenômeno do momento na agência. Muitas delas cursaram pós-graduação e mestrado, inclusive no exterior. Ou seja: contrariam a ideia preconcebida sobre quem procura esse tipo de serviço - figuras isoladas, amarguradas, etc.

Não que o banco de dados de Sheila seja um desfile de beleza e inteligência. No entanto, é impossível não se surpreender com o perfil dos candidatos. Mas então por que terceirizar um processo que, teoricamente, eles mesmos são capazes de administrar? Seria mais um reflexo de um mundo onde tudo se compra, tudo é mercadoria?

Para entender esse universo, a reportagem da FOLHA fez uma imersão de uma semana no QG do Alto da XV. Nos textos a seguir, você acompanha, passo a passo, a receita de um casamento mediado. E também histórias de quem está, ou já esteve, em busca de sua outra metade. Porque, na pior das hipóteses, há sempre um chinelo velho para um pé cansado.

DO BÁSICO AO METAFÍSICO

A máxima de que "os opostos se atraem" é pura balela para o staff da Par Ideal, composto por seis funcionários, incluindo uma psicóloga. Afinal, a essência da atividade está justamente em aproximar perfis compatíveis. O encantamento por alguém diferente, portanto, não faz parte do pacote.

Depois de descobrir a agência por indicação, internet ou propaganda, o potencial cliente faz uma primeira visita ao escritório. Conhece o sistema e passa por uma entrevista prévia, cujo objetivo é eliminar candidatos inadequados ou mal intencionados. Detalhe: a empresa só aceita heterossexuais.

Pessoas em vias de se separar, são aconselhadas a esperar um tempo para se cadastrar. O mesmo vale para quem apresenta, digamos, alguma fragilidade emocional mais grave. Estes podem até ser encaminhados para uma terapia.

Há, ainda, casos em que o candidato não consegue disfarçar a intenção de dar o golpe do baú. Segundo Sheila Rigler, da Par Ideal, vira e mexe aparecem mulheres jovens e lindas procurando homens acima de 60 anos. Como diz o outro, "Aí tem!".

Superado esse estágio, seguem-se o pagamento, a assinatura de um contrato que protege ambas as partes e outro bate-papo (mais aprofundado) com a psicóloga. Por fim, o cliente preenche uma ficha com seus dados pessoais - talvez o elemento mais importante e decisivo de todo o processo.

O documento traz um questionário completíssimo, minucioso. Do básico ao metafísico, busca-se saber de tudo: "Você fuma?", "Acredita em Deus?", "Tem imóvel próprio?", "Por que se separou?", "Usa preservativo?". Esta última, por sinal, é uma das raras perguntas em que o candidato deve revelar seus hábitos sexuais.

As fotos, obviamente, também são fundamentais. Cada ficha deve ter no máximo cinco, de preferência em poses naturais (mas há quem capriche no book profissional). Registros de viagens, sobretudo internacionais, são bastantes comuns. Vale tudo para impressionar.

Como era de esperar, o visual é o principal fator de eliminação por parte dos homens. As mulheres, por sua vez, costumam rejeitar pretendendes fumantes, de escolaridade inferior e com um histórico de casamentos desfeitos.

Na agência, como fora dela, a regra é clara: quanto maior for o nível de exigência, menor é a chance de sucesso. Em algumas situações, é tanto preciosismo que os profissionais têm de interferir.

Como no caso da cliente poliglota que só queria um parceiro fluente em cinco línguas. Passou meses esperando até que foi chamada para conversar com a psicóloga. Acabou topando sair com um sujeito que domina dois idiomas - e está feliz com ele.

QUEM É QUEM

Perfil cadastrado, o computador se encarrega de procurar fichas compatíveis. Mas apenas com relação a detalhes básicos, como preferência por cor de pele, estado civil, escolaridade, etc. O caldo da receita fica mesmo por conta do feeling da equipe, que sabe quem é quem somente de olhar as fotos.

A cada 20 dias, os clientes podem ir ao escritório analisar até cinco fichas de pessoas supostamente parecidas com eles (nada é feito pela internet, ao contrário de outros serviços mais recentes). Se gostou de todas, escolhe a preferida, que também é consultada. Caso os dois queiram se encontrar, a agência passa o telefone da mulher para o homem, que deve ligar e fazer um convite.

Depois do encontro, o staff entra em contato com ambos. Se querem continuar saindo, seus perfis deixam de ser mostrados para os outros cadastrados. Quando não há "química", volta-se à estaca zero.

Em uma terceira situação, a mulher gosta do homem, porém não é correspondida (ou vice-versa). O candidato, então, tem duas opções: dar o fora "na lata" ou pedir para o escritório terceirizar o trabalho sujo.

Nem sempre a conduta do cliente é exemplar, em especial a dos homens. Há exemplos de pessoas desligadas da agência por cometerem grosserias imperdoáveis. Sheila lembra do médico que se decepcionou com uma moça logo que ela entrou em seu carro. Sem cerimônia, deu a volta na quadra e a deixou em casa. Foi sumariamente expulso.

No mais, há toda uma etiqueta para o primeiro encontro. Os homens devem pagar a conta (sugerir uma divisão, segundo a empresária, é assinar a setença de morte). Já as mulheres são aconselhadas a não cederem aos apelos por sexo, pois podem estar sendo testadas.

Caretice? Pode ser. Mas o fato é que todos os cadastrados buscam um relacionamento sério, à moda antiga. Mesmo pagando por isso.

Sobre essa "mercantilização", Sheila ressalta que a mediação de casamentos sempre foi comum ao longo da história, nas mais variadas culturas. Ela só não pode adotar o lema "satisfação garantida ou seu dinheiro de volta".

"Uma vez, uma cliente reclamou da agência, dizendo que nós indicávamos para ela pessoas iguais às que estão na rua. Tive de responder que somos apenas mediadores, e não uma fábrica de pessoas", brinca.

FILHOS, CACHORROS E OUTROS BICHOS

Denise* se considera uma pessoa ''família''. Aos 44 anos, ela até gosta de sair à noite com as amigas. Mas prefere ficar em casa com o casal de filhos adolescentes e os bichos de estimação. São sete cachorros e um gato, além de peixes, pássaros e uma tartaruga.

''Na boemia, você só consegue beijo e cama. É muita aventura'', diz a professora, que hoje vive de rendas. Divorciada há 14 anos, Denise já teve dois relacionamentos sérios depois da separação. Agora, quer se casar novamente.

Tomou conhecimento do anúncio da Par Ideal e, sem qualquer tipo de preconceito, ingressou na agência. Saiu com seis homens no último ano, e chegou a namorar dois deles. Gostou tanto da experiência que acaba de renovar o contrato por mais uma temporada.

Apesar de seu despreendimento, ela reconhece que nem todo mundo compreende sua opção por terceirizar a conquista amorosa. Ainda mais por se tratar de uma mulher bonita, comunicativa e com uma situação financeira bastante confortável. ''Minhas amigas sempre me perguntam se eu realmente preciso disso'', conta.

No entanto, nem tudo são flores para Denise. Para começo de conversa, não é fácil encontrar um companheiro com dois filhos à tiracolo. Como se não bastasse, ela não abre mão de criar tantos cachorros (aliás, essa é uma das perguntas do questionário). Para se ter uma ideia, sua mãe já procurou a agência para pedir que alguém a convencesse a dar um tempo na bicharada. Foi em vão.

Fábio, o filho de 13 anos, também participa do processo. Ele a acompanha nas visitas ao escritório e dá seus pitacos sobre as fichas apresentadas. Como a mãe, o garoto solta tiradas engraçadíssimas. ''O fulano estava mais para amigo gay do que para namorado dela'', diz, sobre uma das figuras que passaram por sua casa.

Porque Denise faz questão de mostrar a ''vida como ela é'' aos pretendentes. Mesmo quando sai para jantar com um homem, começa a noite apresentando-o aos filhos, à mãe e, é claro, ao minizoológico. Questionada se o expediente não estaria assustando os candidatos, ela é firme: ''Não adianta omitir. Uma hora a realidade vai aparecer''.

O que mais a irrita é gente mesquinha. No ano passado, viajou para Buenos Aires com um namorado que conheceu pela agência e voltou decepcionadíssima. ''Ele queria dividir até o táxi'', recorda.

Esse mesmo sujeito, segundo ela, não sabia beijar. Fábio lembra bem dele. ''Minha mãe dizia que ele dava beijo de pica-pau, só encostando a boca'', comenta o garoto, que já eliminou um candidato por ter declarado, na ficha, não usar preservativo. ''Imagina se ele engravida a minha mãe!'', apavora-se.

Em outra ocasião, um homem veio do Nordeste só para conhecê-la. A experiência, porém, foi ruim. Logo de cara, o sujeito olhou torto para um cachorro que subiu no sofá. Mais tarde, quando sua mãe resolveu tocar piano na sala, ele pediu para parar com a música.

Mesmo assim, Denise está animada para iniciar o segundo ano de contrato. E quando o repórter observa que há um clima de excitação adolescente no ar, ela não titubeia. ''É claro que tem uma adrenalina envolvida. Só de entrar na agência você sente isso. É que o coração continua batendo, né?''.

UM HOMEM APAIXONADO

Cláudio*, 48, é o típico solteirão bem-sucedido. Dono de dois restaurantes descolados da cidade, sabe gastar muito bem o dinheiro que ganha. Tem moto, jipe, viajou o mundo inteiro... Sem contar as centenas de mulheres que já passaram por seu apartamento. "Cheguei a transar com oito numa mesma semana", conta.

Mas, como ele mesmo diz, "sempre faltava alguma coisa". Cansado daquele prazer apenas momentâneo, o empresário resolveu procurar a Par Ideal, que descobriu por meio de amigas. Cadastrado desde setembro do ano passado, já saiu com seis candidatas. E acaba de conhecer aquela que, segundo ele, é a mulher de sua vida.

Antes disso, porém, Cláudio teve uma decepção amorosa. Sua noiva reencontrou um amigo de infância no Orkut, terminou o relacionamento e casou com a figura pouco tempo depois. Ou seja: estava fragilizado.

No fim de 2008, já ligado à agência, engatou um namoro de três meses com uma moça. Romperam por conta da imaturidade dela, que criava caso por qualquer besteira. Saiu com outras mulheres, sem sucesso, até bater o olho na ficha de uma fisioterapeuta, 12 anos mais nova. Foi amor à primeira vista.

O empresário gostou tanto dela que criou um clima especial só para dar o primeiro telefonema. Estacionou o carro no Parque Barigui e, de frente para o lago, convidou-a para sair.

Mais tarde, também se apaixonou por seus dois filhos pequenos. Agora, planejam fazer uma viagem de navio no fim do ano, incluindo no passeio os pais de ambos. Tudo isso com pouco mais de um mês de namoro! "Parece precipitado, mas não é. Quando a gente encontra alguém especial, não quer perder tempo", garante.

Cláudio acredita que a agência apenas substitui a figura do amigo que aproxima um casal. Para o empresário, o grande trunfo de todo o processo é o detalhamento do questionário, que ele chama de "ficha técnica". "Sou um cara que não consegue passar todas as minhas qualidades na noite, numa paquera. Nesse sentido, a ficha facilita muito", afirma.

"NÃO ENTREI AQUI PARA BRINCAR"

As mulheres são 60% da clientela da agência. No entanto, isso não significa que os homens cadastrados se sintam como sultões num harém. Principalmente os mais novos, quase sempre descartados por candidatas em busca de parceiros maduros.

Mas o que leva um jovem que sequer bateu na casa dos 30 a procurar esse tipo de serviço? Diego*, um advogado de 28 anos, explica. "Por segurança", diz, repetindo o mantra da empresa.

Ele conta que quer se proteger de mulheres psicóticas, casadas, drogadas e interesseiras. Não entra em detalhes, porém dá a entender que seus pais têm uma situação financeira bem acima da média.

Antes de entrar na agência, Diego perdeu, em questão de meses, a namorada e o emprego. Entrou numa fase de estresse agudo e acabou indo parar no consultório de um psiquiatra. Por sugestão do médico, ingressou na empresa de Sheila. Pouco depois, deu-se a alta da terapia.

Não se considera traumatizado, apenas "escaldado". Quer conhecer mulheres de até 35 anos com personalidade forte, mas que não sejam vulgares. "Gosto de pessoas ativas, com energia, que se cuidem. Está cheio de gente sem sal por aí", reclama.

Cadastrado há nove meses, só conseguiu sair com meia dúzia de moças compatíveis com seu perfil e faixa etária. Por isso, vai ganhar um tempo extra no contrato. Das seis pretendentes com quem se encontrou, não passou do primeiro encontro com nenhuma. "Mas confio muito em mim mesmo, no destino e no trabalho da agência. Porque as melhores pessoas estão aqui", afirma.

De qualquer forma, ele recomenda que os candidatos não dependam apenas do trabalho dos mediadores. "A agência é só uma ajuda a mais. Você deve procurar fora também".

Quanto ao fato de nunca ter ido além do primeiro encontro, Diego é enfático. "Não entrei aqui para brincar, nem para magoar ninguém", garante, com a objetividade comum entre todos os entrevistados.

PAPEL PASSADO

Levou um certo tempo para Letícia* tomar coragem e se cadastar na empresa. Se continuasse com receio, talvez não estivesse agora embalando o primeiro filho, prestes a completar um ano. Sim, a pedagoga, hoje com 39 anos, conheceu o marido via agência e, em menos de três meses, engravidou e se casou de papel passado.

Letícia, que sempre quis formar uma família, começou o processo procurando homens solteiros na faixa dos 40 anos. Logo teve de alterar sua ficha, pois, segundo ela, os candidatos eram "problemáticos e mal resolvidos". "Um cuidava do pai, o outro era muito indeciso. Raramente a coisa passava do primeiro encontro", revela.

Entre idas e vindas, saiu com Mauro, um engenheiro quatro anos mais velho, separado e pai de um adolescente. Apaixonaram-se. O resto é história.

"Se você trabalha e tem dinheiro, não vejo motivo para não pagar por esse serviço. A agência não dá garantias, apenas proprociona encontros. É como um bar, mas com mais praticidade e segurança", compara.

De acordo com Letícia, quem se cadastra numa empresa casamenteira sabe exatamente o que quer. Por conta disso, ela diz, o filtro desenvolvido a partir dos questionários é bastante eficiente.

A pedagoga ainda conta que os perfis dela e do marido eram tão parecidos que, hoje em dia, quando surge alguma diferença entre os dois, elem citam a agência. "A gente brinca um com o outro, cobrando que tal coisa não estava na ficha", diverte-se.

*nomes fictícios

por OMAR GODOY
com ilustração de MARCO JACOBSEN
maio de 2009

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