FEITO GENTE

Shopping incentiva a circulação de animais,
mas a novidade contrasta com a proibição
da entrada de "vileiros" em outros espaços

Dori e Camille passeiam com as cadelas Vida e Pink: família

Adesivo sinaliza as lojas que permitem a entrada de cães e gatos


"Este não é o momento para dispensar nenhum tipo de consumidor", diz Cláudia Negretti, gerente de uma loja de roupa íntima no Shopping Curitiba. A frase talvez resuma a nova campanha do centro de compras, que agora incentiva o público a passear pelos corredores com seus animais de estimação.

Mas não se trata de atender apenas mais um nicho específico - e sim um grande grupo de consumidores. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Pequenos Animais, o Brasil é o segundo maior "mercado pet" do planeta. São 31 milhões de cães e 15 milhões de gatos, que movimentam cerca de R$ 3 bilhões por ano só no segmento de rações.

No geral, o gasto médio anual por bicho fica em torno dos R$ 390, incluindo também vacinas, acessórios, remédios e embelezamento. Não é à toa que há um pet shop em cada esquina do país, seja nas periferias ou nos bairros nobres.

Por essas e outras, Cláudia não pensou duas vezes antes de aceitar a entrada de animais na loja (outra proposta do shopping, que sinaliza os locais simpáticos aos pets com um adesivo na vitrine). "A dona tem pavor de cachorro, mas sabe que, hoje em dia, algumas famílias tratam os bichos como filhos", revela.

Que o diga a administradora de empresas Dori Bonatto, dona das cadelas Vida e Pink. Ou melhor: quase mãe, como ela mesma diz. Animada com a novidade do Curitiba, Dori conta que chegou a esconder um dos animais numa sacola para circular em um shopping de Camboriú (SC). Tudo para não desgrudar do bicho.

"Costumo dizer que tenho três filhas", brinca a mãe de uma jovem de 20 anos, Camille. Depois que a garota cresceu, ela passou a mimar Vida e Pink. Até mochilas as cadelas usam.

Para Dori, a relação com os animais é mais fácil. "Você deixa as bichinhas presas no apartamento o dia inteiro e, quando chega em casa, depois do trabalho, elas estão esperando felizes da vida. Já o marido fica reclamando, a filha pede dinheiro..", diz.

REGRAS DE CONVIVÊNCIA

Nos outros shoppings da cidade, os animais de estimação só são permitidos no colo dos donos. No máximo, podem perambular em áreas próximas a pet shops. "Na verdade, ninguém barrava os cães. A diferença é que nós somos os primeiros a incentivar a entrada. Essa é a inovação", afirma a gerente de marketing do Curitiba, Gabrielle Zaniollo.

As regras de convivência, ela explica, começam pelo porte dos bichos, que podem pesar até 20 quilos. Gatos, por sinal, também são recebidos. Os cachorros devem usar coleiras ou guias quando estiverem no chão. E a circulação na praça de alimentação é autorizada apenas para os cães-guia de deficientes visuais.

A grande dúvida, no entanto, dá conta da higiene. Gabrielle espera que os próprios donos removam a sujeira feita por seus bichos. Ainda assim, os funcionários da limpeza estão de prontidão para resolver esse tipo de problema.

Questionada sobre a possível rejeição de parte do frequentadores, Gabrielle afirma que a direção do shopping não tem esse receio. "Caso um animal crie algum constrangimento, nossa equipe de orientação ao público está preparada para abordar o dono e contornar essa situação", diz.

Para ela, os donos de cães e gatos estão cada vez mais conscientes de que devem respeitar quem não gosta de bichos por perto. "Essa é uma tendência mundial. Só estamos equalizando o shopping com o que acontece lá fora".

Mas o Brasil não é a Suíça. Nesta terra de contrastes, jovens da periferia (conhecidos como "vileiros" ou "calçudos") continuam sendo barrados nos shopping centers da cidade - pelo fato de estarem em grupo ou simplesmente por vestirem roupas inadequadas. Aí surge a pergunta: por que os cachorros podem entrar enquanto os pobres ficam de fora?

"O problema não é a pobreza", diz Cláudia, da loja de lingerie. "É que tem uma turma que só vem aqui para barbarizar. Você não imagina a confusão que eles fazem no domingo".

Para ela, os shoppings deveriam promover ações de integração. "Que tal criar uma ‘semana dos calçudos’? Poderia ter atividades de break, tatuagem, grafite", sugere. "Pensando bem, acho que os outros lojistas não aceitariam", recua.

Gabrielle garante que ninguém é impedido de entrar no Curitiba. E se alguém trouxer um vira-lata? "Também será bem recebido", ela assegura.

Então está combinado: domingão é dia de bombar o shopping com a cachorrada!

"IRMÃOS EMOCIONAIS"

Do ponto de vista técnico, a convivência de pessoas e animais no shopping center não prejudica a saúde de nenhuma das partes. É o que diz o veterinário Wagner Bueno, um dos delegados do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná.

De acordo com ele, os "pets" frequentam clínicas e são vacinados, por isso não transmitem zoonoses. Acostumados a viver em apartamentos, também não correm o risco de se estressar em um ambiente fechado. "O animal ansioso se estressa em qualquer lugar, até na pracinha. Esse paciente precisa ser tratado", explica.

Para o veterinário, os animais de estimação hoje têm uma função social, são "irmãos emocionais" dos humanos. "Está comprovado que o idoso que convive com um animal pode ter até mais 15 anos de vida. Cardiopatas, por sua vez, têm menos chances de reinfartar quando são donos de bichos", diz.

Bueno, no entanto, vê como um exagero o consumo de certos produtos e serviços oferecidos pelos pet shops. "Hoje existe até ofurô e vinoterapia para cachorro. Isso não tem efeito nenhum. Pelo contrário. Roupas, por exemplo, fazem mal para os animais", alerta.

por OMAR GODOY
com fotos de THEO MARQUES
fevereiro de 2009

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