PAIXÃO INEXPLICÁVEL

Baloeiros ignoram o perigo e a lei
em nome de uma cultura secular

Bancada (fábrica de balões): arte e engenharia

Balão pronto para subir: hobby clandestino

DVD da série CWB Balões, que já está na sexta edição


Em dezembro do ano passado, 200 homens invadiram uma casa no bairro do Boa Vista. Não tentaram roubar nada, tampouco acertar contas com alguém. Só queriam pegar um balão que caiu no telhado. Mas enquanto o dono tentava apagar o pequeno foco de incêndio causado pelo objeto, a turma gritava e fazia bagunça, como se estivesse num estádio de futebol.

Meses antes, a polícia prendeu 12 pessoas com a boca na botija em uma fábrica clandestina no Fanny. Foram apreendidos 10 balões, 54 fogos de artifício e 4 DVDs com ''aulas'' sobre o assunto. Os envolvidos pagaram fiança de R$ 600 e vão responder em liberdade a um processo por crime ambiental.

O noticiário policial revela apenas superficialmente o estágio atual de uma tribo que não para de crescer: a dos baloeiros. Antes uma manifestação folclórica, a soltura de balões juninos ganhou uma ''pegada'' de cultura urbana contemporânea e hoje se espalha pelas periferias brasileiras.

Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba são os principais pólos do gênero. Mas a ''arte proibida'', como se diz no meio, está em todos os lugares. Principalmente por conta da internet, essa grande agregadora de pessoas e tendências. São incontáveis sites, blogs, fóruns e comunidades sobre o tema - sem contar os cada vez mais numerosos vídeos no YouTube.

Editados como clipes de esportes radicais, os registros de soltura e resgate de balões são uma febre. E não apenas na web. Há um verdadeiro ''mercado negro'' de DVDs que buscam transmitir a emoção envolvida na atividade. Para se ter uma ideia, a série Capital Ecológica, produzida em Curitiba, já está na 13 edição. O mesmo grupo lançou, recentemente, um vídeo dedicado exclusivamente à caçada de balões, Profissão Resgate.

Esse comércio informal ainda inclui camisetas e bijuterias temáticas. Na loja virtual Papel e Cola, é possível até pagar com cartão de crédito. Quem também lucra com a tribo são as empresas de papel de seda e fogos de artífico, estes últimos muito usados como efeito em balões noturnos.

Misto de obra de arte e produto de engenharia, o balão junino também se sofisticou. Os materiais têm mais qualidade, o que garante maior resistência e tempo de voo. Quanto aos temas, não há limites para a imaginação dos projetistas. Os desenhos vão de celebridades a imagens sacras, passando por grafismos, personagens de quadrinhos e retratos de familiares.

O tamanho dos novos balões impressiona. Se os de 10 metros, mais comuns, já enchem os olhos de quem vê, o que dizer de criações que chegam aos 50? Reza a lenda que o maior balão do Brasil, solto em São Paulo, tinha 72 metros. Não custou menos de R$ 30 mil.

TRADIÇÃO ARRAIGADA

Mas o que leva alguém a gastar tempo e dinheiro com um hobby que pode dar cadeia? Para responder, é preciso voltar ao ano de 1709, quando padres jesuítas soltaram os primeiros balões no Brasil. É o que conta o livro Balões: Paixão Inexplicável (1999), de Odair Bueno e Ivo Patrocínio, uma espécie de bíblia para os entusiastas. Lançado pouco depois da criminalização do balão junino, logo saiu de circulação. Hoje, pode custar R$ 300 nos sites de leilão.

A capa e o prefácio levam a assinatura dos respeitados Ziraldo e Carlos Heitor Cony, respectivamente. ''Nada mais belo, nada mais emocionante do que fazer e soltar um balão'', escreve Cony. Ao longo do livro, os autores enumeram exemplos de políticos, empresários e religiosos que se envolveram com a atividade. Muitos deles chegaram a financiar o trabalho de baloeiros.

É justamente aí que mora a polêmica. Como mudar, da noite para o dia, uma cultura arraigada há séculos na sociedade? Lá se foram 10 anos desde a criminalização, mas os fãs dos balões continuam ignorando o perigo e a própria lei. Pois o artigo 42 da legislação ambiental é claro: fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios é crime.

Presidida até pouco tempo por um militar reformado, a Sociedade Amigos do Balão (SAB), com sede no Rio de Janeiro, busca regulamentar a soltura. Sua proposta é cadastrar os grupos e vistoriar os balões, atestando sua segurança. Em outubro do ano passado, a entidade promoveu a Semana de Mobilização Pró-Regulamentação do Balão Junino, no intuito de sensibilizar autoridades e parlamentares. Uma causa talvez impossível, visto que a opinião pública e população em geral já se deram conta dos riscos embutidos na prática.

Segundo o delegado Olavo Romanus, da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, cerca de 90% das apreensões são fruto de denúncias feitas por vizinhos de baloeiros - uma prova da conscientização. Por outro lado, ele acredita que o fortalecimento da tribo é reflexo do crescimento do Brasil como um todo. ''Com a evolução da economia e o aumento do poder aquisitivo, todas as atividades se desenvolveram no país. Há também o fator internet, que colocou essas pessoas em contato''.

O tenente Anor Santos Júnior, da Força Verde do Batalhão de Polícia Ambiental, faz um balanço das ações da divisão em 2008. Foram 7 flagrantes e 169 autuações em Curitiba e região -além de 203 balões e inúmeros materiais de produção apreendidos. ''Nosso trabalho é fazer um acompanhamento dessa movimentação, inclusive na internet. Esperamos que, com o tempo, as pessoas entendam o risco que envolve essa prática'', diz o militar, para quem o problema está mesmo ''na questão cultural''.

CONFISSÕES DE BALOEIRO

"Só quem é louco pira junto no balão", diz a letra de um rap que circula na internet. Para os aficionados, é realmente difícil explicar o fascínio pela prática, muitas vezes transmitida de pai para filho.

"Gostar de mulher é fácil. Mas vai tentar entender porque alguém gosta de papel e cola. É um vício", brinca o comerciante e produtor de eventos Faxada, de 22 anos. Como tantos outros, ele se "converteu" ainda na infância, ao ver o pai soltar balões em festas de família. Hoje, mantém um blog sobre o assunto e produz a série de DVDs CWB Balões, que já está na sexta edição.

Faxada também faz parte da equipe Garagem, uma das muitas espalhadas por Curitiba e Região Metropolitana. Ele começa uma lista e não consegue parar: Elite, Oxigênio, Labareda, TVO, Arte Probida, Turma da Lua, Domínio da Arte, Vagalume, Arte Eterna, Zepelin Sul... Há até um grupo dedicado exclusivamente aos resgates, o Carrapeta.

Sair à caça de balões é um expediente tão comum quanto a soltura. O objeto recuperado pode voltar ao céu ou ser reciclado, mas também vale como um troféu. Por isso, não são raras as ocorrências de brigas e acidentes de trânsito durante as maratonas. "Você fica cego. Não quer saber se tem um rio, uma cerca ou um muro na sua frente", diz Faxada, ele mesmo um adepto dos resgates.

As equipes têm, em média, 10 integrantes. Cada um é responsável por uma parte do processo - do design à soltura. Algumas não contam com projetistas em suas fileiras, e por isso contratam serviços "terceirizados". Nesse caso, chegam a desembolsar R$ 300 por um único trabalho.

Membro de um dos grupos mais tradicionais da cidade, a Turma da Lua, Gordo, 34, está no meio há 20 anos. Também cresceu assistindo ao pai soltar balões com os amigos, porém só passou a construí-los depois que ele morreu.

O "estalo" para começar veio de uma reportagem sobre o tema exibida no antigo programa de tevê Comando da Madrugada, do jornalista Goulart de Andrade. "Vi aquelas obras de arte indo para o céu e fiquei louco. Hoje, percebo que fazer balão é uma forma de estar sempre perto do meu pai", reflete.

Gordo é formado em Administração de Empresas e atua na área. Mas já vendeu papel de seda para se sustentar. "Construí uma casa só com o dinheiro do papel", afirma. Ele conta que empresários do setor, e também do ramo de fogos do artifício, costumam patrocinar concursos de balões, os chamados Bocas de Ouro.

A rivalidade entre as equipes, Gordo garante, para por aí. "Na verdade existe uma união. Muitas vezes, as turmas fazem vaquinhas para pagar os estragos causados na casa de um vizinho".

E por falar em estragos, os baloeiros acreditam que apenas 2% do que é solto cai em chamas. "Hoje em dia, com a evolução dos balões, eles começam a apagar meia hora antes de chegar ao chão", afirma Gordo.

Para Faxada, quem prejudica a imagem do movimento são os marinheiros de primeira viagem, garotos imprudentes que aprendem pela internet e mandam trabalhos mal acabados para o céu. São esses, segundo ele, que causam incêndios. "Leva dois anos só para você começar a entender como a coisa funciona", diz.

Seja como for, o risco existe, não dá para negar. Ainda assim, os aficionados seguem desafiando a lei. Ou melhor: ignorando.

"Nós simplesmente não reconhecemos uma lei que vai contra a cultura e o folclore de um povo", justifica Gordo, favorável à regulamentação. "Por que não normatizar? Você não imagina a emoção que é ver centenas de crianças olhando para o alto, encantadas com um balão", arremata

por OMAR GODOY
com fotos de GORDO E FAXADA
janeiro de 2009

4 comentários :

Rafael Urban disse...

Olá Omar,
legal a repercussão da matéria.
A Drica escreveu sobre ela no blog da redação.

Te convido a conhecer o blog sobre o Carnaval de Curitiba: http://carnavaldecuritiba.wordpress.com

Saludos,
Rafael Urban

Unknown disse...

Oii, meu namorado é baloeiro, nunca impedi ele de soltar balão, nem de fazer nada, mas também não gostava que ele fosse fazer.. Dp da virada do ano que eu vi aquele monte de fogos, simplesmente me encantei.. Foi a visão maiis linda da minha vida, uma emoção inexplicável..
E dp de ler essa matéria, vou até apoia-ló nessa paixão enormee que ele tem...rsrs
Bjoos Juh♥

erik da vc disse...

eu so baloeiro e acho q existe recurso pra tudo hj em dia mais para o balao as autiridades nao tao nem ai, la no rio liberaram o balao ecologico mais e aqui em sp e a mesma paixao poh pq num libera o balao ecologico aqui sp tambem aqui fica minha mensagem vlw ai..

Romano36 disse...

Belíssima matéria,tem que ser assim imparcial,ouvindo os dois lados...Balão é amor eterno