GUIA



Todos os textos, fotos e ilustrações saíram primeiro no extinto caderno Folha Curitiba (Folha de Londrina)


REPORTAGENS
Os bastidores de uma agência de casamentos

O fascínio por armas de fogo

Eles são pesados, barbados, maduros - e gays

O mercado de compra e venda de madeixas

Serv-car, mais barato que motel

O novo perfil da área comercial

Cachorro agora entra no shopping (pobre ainda não)

Baloeiros organizados desafiam a lei e o perigo

Motoclubes, entre a rebeldia e o modismo

Artistas investem na pesquisa de linguagens

Os bastidores da nova cena de comediantes

Sobre ser adulto e estar numa banda de rock

Uma visita a uma comunidade alternativa e isolada

Elas invadem o mundo do games, HQs, RPGs, etc.

CÉU PROFUNDO
Grupos de observação celebram o Ano da Astronomia

Pais e filhos se esbaldam nas festas gaúchas

BAILÃO COM AR-CONDICIONADO
O estilo "sertanejo universitário" toma conta da noite

KOMBINATIONFAHRZEUG
O clube dos loucos por Kombis

DO CHUVEIRO PARA O MUNDO
Professor cria aula de canto para desafinados

SÉTIMO SENTIDO
Os bastidores de um encontro de Parapsicologia

INVASÃO DIGITAL
As lan houses da periferia (antes do Fantástico)

SÓ NO QUINTAL DO VIZINHO
Naturistas locais não têm onde tirar a roupa

COMBINADO ORIENTAL
O polêmico Pa-Kua se expande na cidade

SEM ARREPENDIMENTOS
Tatuados testam os limites do bom gosto

CAMELÔS ELETRÔNICOS
Como funcionam as tevês de varejo

FALAR NÃO É FÁCIL
Cursos de oratória para enfrentar o mercado

ANIMAIS SENTIMENTAIS
Pesquisadora garante: nunca os bichos sofreram tanto

PONTO DE ÔNIBUS
Os novos "busólogos" do pedaço

LUVAS COR-DE-ROSA
Garotas invadem os ringues

DOMINGO SOMÁTICO
Terapia corporal ainda atrai interessados

TRÂNSITO NA CABEÇA
A rotina maluca dos operadores de radiotáxi

REINO DOS NEGÓCIOS
Um giro pela Expocristo, a feira gospel

CANAL BABEL
A fauna e a flora da TV Comunitária

DEUSES DO AMOR
Os cursos de artes sensuais para homens

EM NOME DE "PAPAI"
Crescendo em Graça, a igreja evangélica do 666

A VIDA SECRETA DOS "COLORIDOS"
Casais liberais abrem o jogo sobre o boom do swing

GURUS IN COMPANY
O concorrido mercado dos palestrantes motivacionais

AYAHUASCA SEM DOGMAS
Grupos independentes se reúnem para tomar o santo-daime


PERFIS

O "DA POLTRONA"
Adriano Bronholo, supercinéfilo

Maria Rafart, a terapeuta do rádio

Frederick van Amstel, o antigeek

João Fiorini, o delegado do sobrenatural

Jeff Bass, de carteiro a DJ

André Ducci, o anatomista do desenho

Eloir José, taxista-escritor

Gian Rufatto, entre Dylan e Russo

Fernando Naporano, crítico que faz falta

José Leopoldo, o ciclista showman

Lina Saheki, mais do que professora

Lisa Simpson, agente de repaginação

Eduardo Gomes, o Ricardo Teixeira dos games

Patrícia Papp, cool hunter

Luiz Felipe Leprevost, o escritor do "dane-se"

Jô Mistinguetti, DJ e cantora agilizada

CASA ECOLÓGICA = BURACO DE TATU
Rodolpho Ramina, ambientalista sem ser chato

PARA NÃO FICAR PARADO
Egon Gonçalves, barbeiro-celebridade

TUDO A QUATRO MÃOS
Letícia e Clarissa Rodante, gêmeas estilistas

DEPOIS DE PEQUIM
Eliseu Santos, paratleta de ouro

CONFISSÕES DE UM COVER
Miro Penna, ex-metalúrgico e "renatorusso"

BYE, BYE, AMAMBAI
Marcos Robaldo, o jóquei que veio do mato (grosso)

O JARDINEIRO FIEL
José Carlos Prochin, ecologista anônimo

PROFETA-PRODÍGIO
Daniel Pentecoste, o menino pastor

TRAÇO SARCÁSTICO
RHS, ilustrador e roqueiro retrô

O ECUMENISMO EM PESSOA
Joachim Andrade, o padre-dançarino indiano

O OLHO DA MODA
Narah Julia, fotógrafa de street fashion

JORNALISTICAMENTE LOIRA
Giselle Macedo, colunista social eletrônica

GAROTAS DIABÓLICAS
As Diabatz, primeira banda feminina de psychobilly

EXTREMOS DO RÁDIO
Gláucio Pozzo, o radialista do povão e da elite

DISTRAÇÕES SOBRE RODAS
Rodrigo Brustolin, taxista e marqueteiro

ENSAIO SOBRE O SOM
Alessandro Laroca, em Hollywood sem sair de casa


CLIC CLAC BUM!

Atiradores falam de seu fascínio por armas de fogo
e se queixam da nova cultura desarmamentista do país

Antônio aguarda uma autorização do Exército para comprar sua pistola

Pista de IPSC: combinação de velocidade, precisão e potência

Guilherme atirou pela primeira vez aos 5 anos

Sexta-feira, início de uma noite de calor. Enquanto os bares continuam lotados no happy hour, um grupo de homens entre 25 a 40 anos não está nem aí para a badalação. Reunidos em um clube no bairro do Rebouças, eles só querem saber de uma coisa: mandar bala com suas pistolas.

Todos são praticantes de tiro prático, uma atividade organizada que já conta com federações em mais de 60 países. Ao contrário do tiro esportivo, incluído nos jogos Olímpicos e Panamericanos, o prático não limita o atirador a postos fixos. De quebra, permite o uso de calibres maiores, acima de 38.

São várias modalidades, sendo que uma das mais populares é o IPSC (International Practical Shooting Confederation). A ordem, aqui, é se movimentar em pistas que simulam situações reais de confronto com armas de fogo. No fim, vence quem melhor combinar precisão, velocidade e potência.

Para ser um atirador, é preciso se associar a uma federação e obter um registro junto ao Exército. Dessa forma, o indivíduo pode comprar e transportar armas de uso restrito sem a necessidade do porte. Novato no esporte, o empresário Antônio Frizzo Jr., 39, espera ansiosamente por essa autorização.

"Só estou aguardando o registro para comprar a minha pistola’’, diz Antônio, iniciado no esporte por seu gerente de banco. ‘’Ele me trouxe ao clube de tiro e pouco tempo depois eu já estava vindo sozinho. Agora venho quase todos os dias, acho que estou viciado’’, brinca o empresário, que ainda usa o material do clube.

Para ingressar de vez nesse universo, ele vai desembolsar cerca de R$ 4 mil (entre certidões, munição e a arma em si). ‘’Mas vale a pena. É uma ótima forma de aliviar o estresse’’, afirma.

Quem atira admite: dar seus pipocos por aí é mesmo uma mania. Mania que não se restringe aos clubes especializados, pois boa parte dos praticantes também coleciona armas em casa. Um fascínio que surge na infância, quase sempre por influência do pai ou do avô.

Que o diga Guilherme Scotti, 27, um dos membros da família que administra o clube do Rebouças. Seus primeiros tiros foram dados quando ele tinha apenas 5 anos. ‘’Meu avô e meu pai caçavam, cresci com muitas armas em casa’’, conta.

Formado em Marketing, Guilherme também é instrutor de tiro autorizado pela Polícia Federal. Uniu o útil ao agradável e hoje ministra vários cursos, inclusive particulares - o que ele chama de personal shooting.

Como se não bastasse, o atirador ainda costuma viajar para o Uruguai, onde a caça é permitida. ‘’É mais do que um hobby ou uma profissão. É um estilo de vida mesmo’’, reflete.

Questionado se não seria mais fácil (e barato) usar armas de pressão ou paintball, Guilherme responde no ato. ‘’Se você quer saber como é atirar de verdade, tem de usar arma de fogo. É como comparar o carro ao autorama’’.

José Teixeira, 27, é outro que transformou lazer em trabalho. Apesar de ter dois diplomas na área de Ciências Aeronáuticas, a paixão falou mais alto, e agora ele ganha a vida como armeiro (especialista em reparo e customização de revólveres, pistolas e afins).

A exemplo de Guilherme, José também atirou pela primeira vez quando era criança. ‘’Meu pai tinha armas para defesa e eu vivia fuçando os armários até encontrá-las’’, lembra. Não demorou muito e o futuro armeiro já sabia montar e desmontar os trabucos.

Aos 21 anos, comprou a primeira pistola e não parou mais. Ele prefere não revelar quantos itens tem em casa, mas seguramente são mais de 12 - número mínimo para configurar uma coleção. ‘’É difícil explicar porque gosto tanto disso. Tem gente que fica louco quando vê uma Mercedes. Comigo, isso acontece com armas’’, afirma.

SENSAÇÃO DE PODER

Essa fetichização da arma de fogo é alimentada pela indústria. Nos catálogos, sites e revistas, as peças são mostradas de forma quase sensual. Vende-se, mais do que a possibilidade de se defender, uma verdadeira sensação de poder.

"Tudo é sensação de poder nessa vida. Quando você compra um carrão, está mostrando que tem poder’’, justifica o empresário Mario Brandalize Filho, 51, presidente de Federação Paranaense de Tiro Prático, que reúne cerca de 1.300 afiliados.

Em 1989, ele deu apenas sete tiros com uma pistola calibre 45, emprestada de um amigo. Foi o suficiente para descobrir que aquela adrenalina e o cheiro da pólvora fariam parte de sua vida para sempre. Hoje, Mario é vice-campeão brasileiro de IPSC, na categoria senior, e tem seis armas - uma para defesa e cinco de competição. ‘’A gente compra mais pela emoção do que pela razão’’, confessa.

Mas os atiradores garantem: a empolgação de segurar um máquina de matar é coisa de iniciante. ‘’Quando você começa a praticar, acaba indo mais para o lado do esporte’’, diz Jonas Stefani, 27, recém-aprovado num concurso para a Polícia Civil. ‘’A fase da tara já passou. Agora eu vejo a arma como um instrumento esportivo’’, endossa o engenheiro Rodrigo Gonçalves, 36.

Seja como for, não deixa de ser um hobby politicamente incorreto, certo? ‘’Eu não definiria dessa forma. Talvez seja um hobby controvertido’’, contesta Mario.

Para ele, há uma cultura anti-armamento no Brasil atualmente. O que faz com que as pessoas tenham medo até de pistolas e revólveres descarregados. ‘’O problema não é a arma, e sim o mau uso dela’’, diz, antes de mostrar, orgulhoso, os vídeos de suas performances no campeonato brasileiro.

DEPOIS DO REFERENDO

Conseguir o registro de atirador junto ao Exército não é fácil. São exigidos tantos testes e certidões negativas que muitos candidatos recorrem a despachantes especializados para agilizar o processo. Obter o porte de arma, então, é quase impossível hoje em dia.

Os atiradores afirmam que a concessão, por parte da Polícia Federal, ficou mais difícil desde o chamado Referendo do Desarmamento, realizado em 2005. De acordo com eles, a PF restringiu radicalmente o porte depois que a maioria dos eleitores rejeitou a proposta defendida pelo governo - de proibir a comercialização de armas de fogo e munição em todo o país.

E como se trata de um poder discricionário (situação em que a autoridade pública tem liberdade para decidir de acordo com a conveniência e a oportunidade), os processos podem ficar empacados por anos. "O governo não conseguiu o salame inteiro e resolveu ir pegando as fatias", opina o armeiro Teixeira. "Quem quer tirar o porte são os homens de bem, e não os bandidos, que estão andando armados por aí", lamenta Brandalize.

por OMAR GODOY
com fotos de THEO MARQUES
março de 2009

O "DA POLTRONA"

O cinéfilo Adriano Bronholo vê 90% dos filmes que passam em Curitiba

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Às 18 horas, o advogado Adriano Bronholo, 37, encerra o expediente e vai direto para o cinema. Seu ritual é simples. Entra na sala ainda iluminada e senta praticamente colado à tela. Não come sequer uma mísera pipoca, para não perder a concentração. E são raras as vezes em que não parte para uma segunda sessão.

Adriano calcula que cerca de 270 filmes são lançados por ano no circuito comercial de Curitiba. Sem medo de exagerar, garante que assiste a 90% deles. No período das férias de verão, por exemplo, chega a ver até as produções da Xuxa, já que as salas são tomadas pelos títulos infantis. Definitivamente, é o cinéfilo com mais horas de poltrona da cidade.

Mas sua praia é o cinema de arte, mais alternativo. Pena que as opções por aqui sejam escassas para quem tem esse tipo de paladar. Para ele, a ''era de ouro'' foi mesmo entre o fim dos anos 80 e o início dos 90, quando a Fundação Cultural de Curitiba mantinha quatro salas voltadas para as produções cult. ''Praticamente tudo o que passava em São Paulo chegava aqui também'', lembra.

E por falar em memórias, o advogado conta que sua relação com as imagens em movimento começou ainda na infância. Enquanto os outros garotos jogavam bola na rua, ele passava horas em frente à televisão, vendo filmes até a programação acabar. Sua escola foi o Corujão, a Sessão de Gala, o Domingo Maior...

Adriano acredita que o cinema de certa forma preencheu uma lacuna deixada por seu avô, um contador de histórias nato, que morreu quando ele tinha 13 anos. Foi nessa época, aliás, que surgiu o interesse pelas produções mais artísticas. Por acidente, diga-se de passagem.

O jovem cinéfilo comprou ingresso para ver Rock Estrela e acabou entrando na sala errada, que exibia O Beijo da Mulher Aranha. ''Fiquei surpreso com aquilo. A história era contada de um jeito diferente do que eu estava acostumado a ver'', recorda.

O advogado, que nunca saiu no meio de uma sessão, também coleciona tudo o que for relacionado ao cinema. A começar pelos anúncios de filmes publicados em jornais, que ele recorta diariamente. E também livros (mais de dois mil), DVDs (cerca de mil) e incontáveis revistas. Até francês ele aprendeu para ler a lendária Cahiers du Cinema.

Adriano ainda escreve sobre o que assiste e até começou um blog, que pretende reativar. Mas esse tipo de reconhecimento não importa muito para quem se realiza para valer dentro de uma sala escura. É ali que o cinéfilo, solteiro e sem filhos, reflete, sonha e encontra os amigos, igualmente loucos por filmes. ''O cinema é a minha família'', arremata, sem um pingo de arrependimento.

por OMAR GODOY
com foto de DIEGO SINGH
abril de 2009

MUDANÇA DE COMPORTAMENTO

Maria Rafart, psicóloga e apresentadora: da ação para o pensamento

Maria Rafart, 45, está em lua de mel. Depois de apenas oito meses de namoro com o músico Fábio Elias, da banda Relespública, ela disse "sim" em pleno palco de uma casa de shows da cidade. Uma cerimônia roqueira, com direito a uma canção composta especialmente para a noiva.

"Eu acredito no amor, faço uma verdadeira cruzada por ele", afirma Maria, psicóloga, advogada, escritora e âncora do talk show de rádio 91 Minutos, da FM 91 Rock. Tanto acredita que nem dá bola para a diferença de idade do casal (cerca de 12 anos).

"Quando o Fábio começou a ir ao programa, como convidado, pensei que ele era mais velho. Mas ele também pensou que eu era mais nova, então tudo bem", brinca a mãe de uma menina de 15 anos, fruto de seu primeiro casamento.

Maria se formou em direito antes de mergulhar na psicologia. Especializou-se em casos de família e escreveu livros sobre o tema, voltados para mulheres separadas. Até perceber que se interessava mais pelos relacionamentos interpessoais do que por questões jurídicas. Hoje, divide-se entre o estúdio da rádio e um consultório no Batel, bairro onde cresceu com a família de origem espanhola.

Na parede da sala comercial, um quadro traz o retrato e um autógrafo (legítimo, segundo ela) de Freud. Maria, no entanto, faz questão de não se associar ao pai da psicanálise. Diz que respeita suas teorias, porém é adepta da Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), um processo mais rápido e prático, desenvolvido a partir da década de 50 pelo psiquiatra americano Aaron Beck.

Definindo vulgarmente, a TCC se constitui de uma série de abordagens que buscam entender como os problemas das pessoas interferem em suas vidas diárias. O terapeuta investiga a forma como o paciente interpreta o mundo e, a partir daí, sugere pequenas atitudes que estimulam uma mudança de comportamento. "É a ação que muda o pensamento, não o contrário", explica.

Em sua "cruzada pelo amor", a psicóloga se depara, cada vez mais, com adultos incapazes de manter um relaciomento afetivo satisfatório. Seja na rádio ou no consultório, o que ela mais ouve são queixas de que "o mercado está fraco". "O mercado está ótimo. O problema é a labilidade (instabilidade) das relações", garante.

Para Maria, homens e mulheres vem descartando potenciais parceiros por conta de detalhes insignificantes - quando se deveria priorizar valores mais essenciais. É o que ela chama de "teoria da calça", criada a partir de uma experiência pessoal.

"Quando tinha 14 anos, fui ao cinema com um estudante de engenharia química por quem eu era apaixonada. O rapaz usava uma calça xadrez horrível, e aquilo me incomodou tanto que nunca mais quis sair com ele", conta. "Descartei uma pessoa sem me tocar de que ela poderia ter valores importantes para mim", completa.

A terapeuta-apresentadora ainda dá um "diagnóstico" do público que a procura. Segundo ela, a maioria das mulheres busca um provedor, enquanto os homens estão mais preocupados com a beleza física. "As pessoas precisam parar de fazer projeções. E enxergar que o gordinho do seu lado é um cara legal, que aquele pobrinho que trabalha com você também é uma graça", recomenda.

Aliás, a própria Maria se diz um exemplo do que prega. Casou-se com o gordinho Fábio Elias, virou empresária da Relespública e agora batalha para fazer a banda crescer nacionalmente. "É muito difícil encontrar um homem rico e bom. Como tive a sorte de achar um bom, vou fazer ele ficar rico", diverte-se.

por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA
abril de 2009

OS URSOS SAEM DA TOCA

Barbados, pesados e maduros,
os "bears" desafiam os estereótipos do mundo gay

Paulo e Henrique, da CWBears: serviços para a comunidade "ursina"

Capa da última edição da revista virtual Ambear, editada em Londrina

Quando descobriu sua preferência sexual, Fabio se viu meio perdido. Afinal, como encontrar numa boate gay alguém barbado, com mais de 100 quilos e acima dos 50 anos? E, caso encontrasse, como não ser confundido com um garoto de programa ou, na melhor das hipóteses, um aproveitador de coroas? Os points GLS, definitivamente, não eram para ele.

Graças à internet, o webdesigner percebeu que não estava sozinho. Seu lugar era junto com os bears (ursos), uma espécie de tribo dentro da tribo, marcada pela negação de certos estereótipos do universo gay. A começar pelo culto à juventude, corpos sarados, roupas de marca, glamour, etc. Para um urso, homem tem que ter cara de homem - e nenhum pingo de afetação.

O vocabulário ''ursino'', como se diz no meio, é variado. Muscle bear é o urso musculoso. Polar bear, o grisalho. Há ainda o lontra, um tipo mais magro. Sem contar os agregados: cub (gordinho de pele lisa), dad (o paizão, que faz a linha protetor) e, é claro, chaser (caçador). Fabio, jovem e com o peso em dia, encaixa-se nesta última categoria.

Surgido nos anos 70, nos Estados Unidos, o movimento explodiu para valer com o advento da web, a exemplo de outras subculturas. A história é sempre a mesma. Os interessados se encontram em fóruns de discussão, trocam informações e, um dia, decidem dar o salto para o mundo real.

No Brasil, os ursos pioneiros começaram a se reunir em São Paulo, onde já existe todo um circuito de sites e badalações. Curitiba é considerada um pólo em franco crescimento, graças a figuras como Fabio, criador do portal Ursos do Paraná, e a dupla Paulo Fernando e Henrique HCA, produtores da festa CWBears.

O evento, surgido há pouco mais de um ano, consolidou de vez a cena local. Costuma atrair entre 100 e 150 pessoas por edição e já foi realizado em boates, chácaras, piscinas e saunas. Tudo muito bem organizado e com divulgação dirigida na internet. ''A ideia não é encher as festas, porque há o risco de descaracterizá-las. Queremos que o público fiel continue se sentindo à vontade'', afirma Henrique, 40, DJ e produtor musical.

Sentir-se à vontade, aliás, é o mais importante num evento ursino. ''Em qual outro lugar um gordinho pode dançar sem camisa e não ser hostilizado?'', questiona Paulo, 45, empresário. ''Quando entra um cara mais velho numa boate gay tradicional, logo vão dizendo que a geriatria chegou'', emenda Henrique, bem-humorado.

Para a dupla, a CWBears fez com que muitos voltassem a sair à noite. E mais: recuperassem uma autoconfiança perdida por conta das exigências, digamos, estéticas do mundo gay. Os produtores, no entanto, garantem que nada disso seria possível se eles não tivessem, literalmente, mostrado a cara. ''Fomos os primeiros aqui a colocar nome, foto e telefone na internet. Isso gerou confiança'', diz Paulo.

Empreendedores, os dois transformaram a CWBears em empresa e agora pretendem montar um bar próprio para a tribo. Outra proposta, eles contam, é incentivar o turismo ursino na cidade, já que muitos bears de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul têm vindo para cá apenas para se divertir nas festas. ''Por que não criar um Bear Weekend em Curitiba, com várias opções de programas?'', sugere o empresário.

Mas os planos ambiciosos não param por aí. O sonho da dupla é formar uma verdadeira rede/comunidade, para que os bears curitibanos consumam produtos e serviços oferecidos por outros ursos.

Se tudo der certo, vai ter muito urso saindo do armário. Ou melhor, da toca.

COMUNICAÇÃO DE PESO
Há quatro anos no ar, a revista virtual AmBear é um dos prin
cipais canais de divulgação da cena ursina brasileira. Traz artigos, dicas, entrevistas e fotos, sempre destacando os ursos mais atuantes do movimento. Muita gente do próprio meio não sabe, mas o informativo é produzido a partir de Londrina, onde o editor Ham vive com seu companheiro.

Ham ("presunto" em português) é um cub de 28 anos que trabalha numa agência de propaganda. Nas horas vagas, edita a revista e presta consultoria em comunicação visual para outros grupos ursinos. Começou a Ambear como uma brincadeira, criando apenas capas com manchetes fictícias. Com o tempo, o projeto tomou corpo e hoje acumula 222 edições disponibilizadas na rede.

O editor lembra que descobriu o mundo dos ursos em 2000, por meio do reality show Vinte e Poucos Anos, da MTV. Um dos participantes era gay assumido e atuava na comunidade Ursos de São Paulo, uma das primeiras do gênero no país. "Até então eu não me considerava gay, pois não me sentia bem junto com os outros gays", conta.

Por essas e outras, ele afirma que a meta da AmBear é apresentar o movimento aos gordinhos que não o conhecem - e que talvez sofram por se sentirem isolados. "A cena cresceu muito aqui no Brasil. Mas ainda é tímida, porque a maioria dos ursos não gosta de aparecer", diz.

O próprio Ham prefere se manter anônimo, pois não se assumiu para a família, que é toda de Londrina. A cidade, aliás, tem uma cena "mais virtual do que real", como ele mesmo define. Ainda assim, ele considera o movimento paranaense um dos melhores do Brasil. "São os mais belos homens gordinhos da terrinha tupiniquim", empolga-se.


por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA
e imagem de divulgação
abril de 2009

INOVAÇÃO CONTRA A CRISE

Frederick van Amstel: descomplicando a tecnologia

Frederick van Amstel, ou simplesmente Fred, é a cara da geração 00. Fascinado por tecnologia, atua como consultor de empresas, mantém um blog famoso e ainda conduz uma ONG. Trabalha praticamente o tempo todo em casa, onde pode fazer experimentos voltados para facilitar a vida das pessoas - e, de quebra, descobrir novas oportunidades de negócios.

Sua vida profissional se mistura com a pessoal, é verdade. Mas não há nada que pague o prazer e a independência que estão por trás dessa opção. "Ralar" em dobro, portanto, é apenas uma consequência do envolvimento profundo com seus projetos.

Aos 26 anos, Fred é uma referência jovem quando se fala em usabilidade no Brasil. Um conceito cada vez mais em voga, e que trata justamente da facilidade de uso de uma determinada ferramenta. Para ele, resquícios da era industrial ainda colocam a tecnologia como um fim, e não um meio. "É como se a máquina soubesse mais do que a pessoa, que é quem realmente resolve os problemas", diz.

Seja no blog Usabilidoido ou no site da ONG Instituto Faber-Ludens, Fred está sempre buscando exemplos de "humanização da tecnologia". O próprio grupo desenvolve projetos específicos - como a cadeira de rodas inteligente, ou o game de treinamento para árbitros de futebol. A ordem, ele explica, é eliminar tudo o que pode confundir o usuário.

"Não deixa de ser uma questão de comunicação", afirma, justificando sua graduação na área. A faculdade de jornalismo, no entanto, não trouxe o conhecimento que Fred perseguia. A saída foi cursar um mestrado em tecnologia, título que impulsionou sua carreira acadêmica e o conduziu à coordenação de uma pós-graduação em design de interação.

Coordenador pedagógico, blogueiro e "ongueiro" de plantão, ele ainda presta consultoria a empresas. E, ao contrário do que se pode pensar, o atual momento de crise tem sido ótimo para quem lida com inovação. "Quando as grandes companhias estavam ganhando dinheiro, ninguém queria saber de mudar nada. Agora que as vendas caíram, está todo mundo atrás de novas soluções", afirma.

Mas não pense que Fred é o típico geek de plantão. Ele tem lá suas contradições, a começar pelo fato de ser hare krishna. "Minha religião tem um ideal de simplicidade, e até faz uma crítica ao consumismo. Por outro lado, se você não pode mudar a sociedade, comece mudando você mesmo. Tento embutir esses valores nos meus projetos", reflete.

Outra aparente incompatibilidade é a sua rejeição pelo telefone celular, que Fred define como uma "ferramenta de controle social horizontal". "Todo mundo tem medo de um Big Brother que vigia tudo. Eu tenho medo é dos little brothers, das pessoas próximas que podem controlar todos os meus passos", diz, com a certeza de que a "culpa" é sempre dos humanos - e nunca das máquinas.

Usabilidoido, Faberludens

por OMAR GODOY
com foto de THEO MARQUES
abril de 2009

SEU CABELO É DA HORA

Concorrência acirrada e histórias curiosas
marcam o comércio de madeixas

O cabeleireiro Alex vai pessoalmente buscar cabelos para suas clientes do Batel

José Alvino em ação: pioneiro de um mercado aquecido

Cleide: com cabelos por todos os lados, foi preciso superar o nojo


O cabeleireiro José Alvino Godói se vangloria de ser o pioneiro de um mercado que não para de crescer no centro da cidade. Há 12 anos, ele compra e vende cabelos nos arredores do Terminal Guadalupe, onde também mantém um salão. Um negócio tão rentável que chega a envolver a exportação de madeixas para países como Israel e Estados Unidos.

Segundo Alvino, mais conhecido como Zé do Cabelo, a região já conta com cerca de 20 pontos de transação. E tem sempre gente nova chegando no pedaço. Como a catarinense Cleide da Silva, há apenas nove meses nesse business.

Mal instalou seu salão por ali, ela logo percebeu que deveria diversificar os negócios. Hoje, lucra mais vendendo cabelos do que cortando. O início, no entanto, foi um pouco traumático. "Eu tinha pavor de pegar. Ficava pensando se aquilo não tinha vindo de um defunto", lembra.

Superado o estágio do nojo, é importante ter um olho clínico para encontrar bons materiais. Pois os compradores, normalmente cabeleireiros de salões elitizados, estão cada vez mais exigentes. "Tem que ser comprido, macio e hidratado. Cabelo seco e com tintura ou química não dá", ensina outra veterana da área, Terezinha Rodrigues, há dez anos na ativa.

O sistema é simples. Quem quer vender roda a região fazendo uma espécie de leilão da própria juba. Ao acertar com um salão, recebe uma cartela com fotos de cortes curtos. Escolhe o que mais lhe agrada (para não voltar para casa com o cabelo picotado) e pronto: está fechado o negócio, que pode ficar entre R$ 100 e R$ 300, em média.

Exceções existem. José Alvino, por exemplo, já comprou uma longa madeixa loira por R$ 2 mil. Os loiros, aliás, são disputadíssimos nesse mercado. "Os meus, eu mando trazer de Santa Catarina", revela o cabeleireiro Alex Silva, funcionário de um dos salões mais badalados do bairro do Batel.

Alex vai pessoalmente ao Centro procurar matéria-prima. Especialista em alongamento e megahair, ele também paga para que duas pessoas distribuam panfletos de "Compro cabelo" na rua.

Um bom exemplar, segundo o profissional, pode estar em qualquer lugar. "Teve uma cliente minha que abordou uma garota na rua e ofereceu R$ 1 mil pelo cabelo. A menina topou na hora", conta.

PESQUISA DE MERCADO

Outro que não pensou duas vezes foi o técnico em Mecatrônica Guilherme Dutra, cansado de ter trabalho todos os dias com a cabeleira. Ele seguiu o conselho de uma tia e aceitou passar para frente seus 33 centímetros de fios. Antes, porém, pesquisou o "mercado" na internet. "Procurei no Google e achei vários sites de compra e venda. Tinha até uma tabela de preços", diz Guilherme, feliz com os R$ 120 embolsados no Guadalupe.

Mas nem todo mundo tem tanta convicção assim. Não são raros relatos de gente que chora depois de se ver no espelho. "Já vi uma cliente que comprou o próprio cabelo de volta e reimplantou", diz Terezinha.

Para evitar arrependimentos, a dona de casa Elisângela Durau preferiu pensar mais um pouco - mesmo tendo recebido uma oferta de R$ 200 por suas madeixas negras no salão de José Alvino. "Por esse preço, eles têm de cortar bem curto. Só que eu pensei em deixar chanel", afirma a indecisa.

O perfil dos vendedores é variado - de rapazes que vão prestar o serviço militar a fiéis pagando promessas. "Já tivemos aqui até um caso da mãe que raspou a cabeça para apoiar a filha, que tinha leucemia", recorda Terezinha.

A maioria, no entanto, está atrás de um dinheiro rápido para pagar dívidas. Moradores da periferia, que vão de ônibus até o Guadalupe na esperança de resolver seus pepinos financeiros.

Como uma senhora que saiu de Colombo, na Região Metropolitana, para percorrer o "circuito do cabelo" no começo desta semana. Ela, que preferiu não se identificar, trabalha como diarista e foi sincera com a reportagem. "Não vou mentir, é porque preciso de dinheiro mesmo".

Seu giro pelo Centro, no entanto, foi em vão. Com os cabelos levemente pintados, e ainda pelos ombros, a doméstica recebeu vários "nãos" durante a caminhada. "Só cortei duas vezes nos últimos anos, mas não sabia que compravam", lamenta.

Seja como for, o fato é que tem muita madame andando por aí com as madeixas da empregada. "Isso prova que a pessoa mais humilde também sabe tratar e cuidar dos cabelos", diz Alex, confirmando sua tese de que "um bom cabelo pode estar em qualquer lugar".

CRINAS ROUBADAS

Para se ter uma ideia de como os cabelos alheios são cobiçados, há várias ocorrências de roubo na região do Terminal Guadalupe, seja na forma de pequenos furtos ou até mesmo arrombamentos.

No ano passado, o salão de José Alvino foi invadido durante um fim de semana. Quando chegou para trabalhar, na segunda-feira, não havia sobrado sequer um fio para contar história. "Levaram todo o meu estoque. Tive um prejuízo de quase R$ 200 mil", afirma.

Exagero? Pode ser. De qualquer forma, muitas lojas já contam com câmeras para intimidar os ladrões - ainda que a tática nem sempre faça efeito.

Cleide conta que, dias desses, viu uma mulher tirando uma madeixa da parede e colocando na bolsa, mas ficou constrangida e não a abordou. Quando a falsa cliente foi ao banheiro, ela aproveitou para tirar a prova.

Assistiu às imagens registradas no computador e confirmou o roubo. De volta ao balcão, a mulher percebeu que havia sido flagrada e ficou mais constrangida ainda. "Ela estava tão nervosa que até fez xixi na calça! Saiu correndo sem falar nada", lembra Cleide.

Por essas e outras, os lojistas da região adotaram o expediente de não comprar cabelos que não sejam dos donos. "Só compro cabelo que estiver na cabeça", garante José Alvino.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA
março de 2009

ECOS DO ALÉM

Fiorini e o psicoscópio: polícia e espiritismo

Um indivíduo pode ter as mesmas impressões digitais de alguém que já morreu? Para o delegado de polícia João Alberto Fiorini, sim. Especialista em identificação humana e cenários de crimes, Fiorini aliou seus conhecimentos ao interesse pelo espiritismo e há dez anos pesquisa o assunto. Agora, prepara-se para lançar o livro Reencarnação - Investigação Científica, que reúne casos estudados por ele e antigos registros de fenômenos semelhantes.

Ao longo desses anos, o delegado utilizou técnicas da polícia científica e contou com o auxílio de peritos criminais para produzir laudos que, segundo ele, comprovam a existência de vida após a morte. Um dos documentos, por exemplo, dá conta de uma jovem paranaense que seria a reencarnação da atriz portuguesa Eugênia Câmara, com quem o poeta Castro Alves teve um romance no século 19.

Por meio da prosopografia (estudo anatômico da face) e da grafoscopia (análise da escrita), Fiorini encontrou indícios de que o espírito de Eugênia voltou ao mundo material no corpo da moça. ‘’Os rostos das duas tinham 21 pontos de semelhança’’, afirma.

Formado em um ambiente católico no interior de São Paulo, o delegado por pouco não se tornou padre. Continua assistindo à missa semanalmente, mas também frequenta um centro espírita - hábito que adquiriu há mais de 30 anos, quando sua irmã ficou muito doente. ‘’Uma enfermeira nos aproximou da doutrina e isso trouxe conforto para a família’’, conta.

Anos mais tarde, ele mesmo esteve entre a vida e a morte, por conta de um problema grave no intestino. Foi operado em São Paulo e, durante os oito meses de recuperação, começou a se envolver com o tema que passaria a pesquisar avidamente. Já reestabelecido, participou de um programa de televisão sobre espiritismo para descobrir novas evidências. ‘’Desafiei o público a me escrever se conhecesse casos de espíritos manifestados’’, lembra.

Fiorini acredita que seu trabalho pode ser uma ‘’ferramenta para a fé das pessoas’’. Por isso, prepara a publicação de mais dois livros. O primeiro, Magnetismo e Hectoplasma, trata, entre outros assuntos, do psicoscópio, um aparelho capaz de invocar entidades.

Já o segundo lida com licantropia, a metamorfose de homem em lobo. Ou seja, fala de lobisomens. ‘’É um assunto que eu mantive em sigilo por muitos anos, mas agora resolvi divulgar’’, revela o delegado, que ainda encontra tempo para esculpir em madeira e cantar no coral da polícia. ‘’Para ser sincero, eu tenho preferido cantar a ficar falando desses assuntos pesados’’, confessa.

por OMAR GODOY
com foto de MARCOS BORGES
fevereiro de 2009

QUE TAL UM PIT STOP?

Alternativo ao motel, o modelo de serv-car
se expande pelos bairros da cidade

Carro estacionado num serv-car: discrição é a alma do negócio

Atire a primeira pedra quem nunca namorou numa lanchonete drive-in. Ou melhor: num serv-car, como esse tipo de espaço é chamado em Curitiba - e apenas em Curitiba.

Ok, talvez não seja o seu caso. Mas alguém próximo certamente já desfrutou os prazeres da vida, com privacidade, dentro de um carro. Se você ainda não deu o braço a torcer, saiba que essa é uma atividade lucrativa, que começou há mais de 20 anos nos bairros centrais e hoje se expande pelos periféricos.

Há quem diga que já são mais de 30 serv-cars espalhados por Curitiba. Dos mais tradicionais, em terrenos arborizados, aos chamados boxes, isolados por lonas. Alguns destes últimos contam até com interfones para chamar os garçons. Tudo em nome da discrição, a alma desse negócio.

É tanta discrição que nenhum dos proprietários procurados pela reportagem quis se identificar. E foram poucos os que se dispuseram a falar. Como Antônio (nome fictício), dono de dois serv-cars administrados por ele e a família. Um próximo ao centro e outro no hauer, onde fomos recebidos.

A fachada é de uma lanchonete comum, com balcão e móveis de plástico. O estacionamento fica atrás, com 10 vagas individuais separadas por paredes. Em vez de portões de metal, como nos motéis, lonas de caminhão protegem os carros dos olhares alheios. Com o calor que anda fazendo, parecem verdadeiros fornos.

A mulher de Antônio e duas funcionárias tomam conta do lugar, servindo sanduíches, porções e bebidas. A regra número um, ele explica, é jamais encarar o cliente diretamente. Mesmo assim, o empresário acredita que o grande atrativo dos drive-ins não é a privacidade, e sim a segurança. "Hoje em dia, você não pode ficar cinco minutos parado com o carro na rua que alguém te assalta".

O preço também conta na hora de decidir pelo serv-car. Nas lanchonetes de Antônio, por exemplo, é cobrada uma taxa de R$ 10 de consumação. "Quanto maior a crise, melhor para o nosso ramo. Quem precisa de um lugar para namorar, e não tem condições de pagar um motel, acaba vindo para cá", afirma.

Se é difícil arrancar informações básicas dos donos, imagine dados sobre o faturamento. Não custa especular. Levando-se em conta que o movimento médio de carros bate na casa dos 30 por dia, dá para chutar que os 30 drive-ins curitibanos recebem cerca de 900 veículos diariamente.

Um chute alto, talvez, mas que fornece pistas sobre a lucratividade do setor. Seja como for, é possível dizer que quase 2 mil pessoas (pois ninguém vai num lugar desses sozinho) frequentam todos os dias os serv-cars da cidade.

LANCHINHO EXECUTIVO

A maioria das lanchonetes funciona das 10 horas à uma da manhã e cobra entre R$ 10 e R$ 12 de consumação. O "almoço executivo" e a saída das aulas noturnas são os momentos de pico. No fim de semana, o movimento é ainda mais intenso.

No Capão Raso, próximo a uma faculdade, um drive-in chama a atenção por conta dos já citados interfones. Mas o luxo para por aí. Trata-se de um lugar escuro e apertado, onde apenas um funcionário cuida de tudo.

Paulo (outro nome fictício) frita porções congeladas, bate polpas de frutas no liquidificador, serve os clientes e acerta a conta. Ainda assim, o faz-tudo se considera apenas um garçom, que trabalha num misto de "lanchonete com motel", como ele mesmo define.

Há um ano e meio no ramo, Paulo já trabalhou em outro serv-car, no Capão da Imbuia. Diz que nunca viu nada de anormal em suas jornadas noturnas, a não ser uma cliente excessivamente ruidosa. "A mulher fazia tanto barulho que eu até sabia que era ela que estava no carro", lembra.

Histórias como essa - e muitas outras impublicáveis - acontecem todos os dias. Antônio, inclusive, pretende escrever um livro de "causos" quando se aposentar. Um de seus preferidos dá conta de duas mulheres que resolveram fazer um lanchinho no meio da tarde. Foram seguidas pelo marido de uma delas, que queria invadir o box a qualquer custo.

O empresário conseguiu segurar o homem e foi chamá-las. Eram patroa e empregada, e estavam completamente nuas no automóvel. Mas não é que a esposa conseguiu virar o jogo?

"Ela saiu furiosa do carro, apontando o dedo na cara do sujeito. Disse que estava fazendo um acerto de cheques com a funcionária, pois na empresa não era seguro", conta. Resumo da ópera: o marido, arrependido, abraçou a mulher e pediu desculpas a todos. Tolinho...

Casos de violência, no entanto, são raros. Pelo menos é o que dizem os proprietários. "Só me lembro de um, presenciado pela minha filha", garante Antônio.

De acordo com ele, a confusão começou quando, por algum motivo, um travesti e seu cliente começaram a se agredir na saída do drive-in. Quando um automóvel se aproximou, o transformista fingiu ser mulher e pediu socorro, aos berros, alegando que estava grávida. "Então, uns caras desceram do carro e começaram a bater no sujeito. Mas quem mandou sair com traveco?", conclui.

Algumas passagens do gênero já viraram verdadeiras lendas urbanas. Como a da árvore que tombou sobre um carro no Verde Batel, um dos mais tradicionais serv-cars da cidade (leia mais no quadro ao lado).

"Aconteceu realmente. Pedimos autorização à prefeitura para cortar um cedro que estava quase caindo. Não conseguimos e, durante um temporal, a árvore caiu mesmo, em cima de uma brasília. O dono do carro, que estava com a amante, ficou desesperado. O que ele iria dizer em casa?", diverte-se o proprietário, Roberto (mais um pseudônimo).

Mas, afinal, como surgiu o nome serv-car, tão curitibano? Segundo Roberto, o termo foi criado por ele, para diferenciar sua lanchonete dos drive-ins que exibiam filmes. Antônio, por sua vez, não sabe dizer quem inventou, apenas a "etimologia". "Drive-in vem do inglês, enquanto serv-car é português", explica, sem mistérios.

TRADIÇÃO CURITIBANA

A história do Verde Batel remonta a uma época mais ingênua. Em 1983, quando foi inaugurado, a Avenida do Batel era o "point" da juventude curitibana. E o surgimento de um drive-in bem no meio dessa movimentação mudou os hábitos dos casais de namorados.

Uma lanchonete, no Capanema já servia lanches no carro à noite. Mas não havia privacidade para se namorar, lembra Roberto, um engenheiro que abriu o serv-car em sociedade com o irmão, então recém-chegado de uma temporada num garimpo do Pará.

Apesar da boa localização, o lugar só pegou para valer graças a uma parceria com uma emissora de rádio, que buscava um público mais jovem. "Para você ter uma ideia, a programação do domingo à tarde era transmitida ao vivo do Verde Batel", conta.

Quando o dono de uma churrascaria fez uma oferta melhor para os proprietários do terreno, o drive-in foi obrigado a se mudar. Sua última parada foi o bairro das Mercês, onde funciona há nove anos. Ali, um terreno de 3.600 metros quadrados oferece capacidade para receber 90 carros - no esquema tradicional, sem boxes ou lonas.

"Preferimos deixar assim. Nosso conceito é mais de namoro, de romance. Senão vira motel, e aí podemos ter problemas com a saúde pública e a polícia", diz o empresário. O que explica, talvez, o receio de outros proprietários em se identificar. De qualquer forma, existe uma licença da prefeitura específica para os serv-cars.

Para Roberto, espaços centrais e em grandes áreas, como o do Verde Batel, estão em vias de extinção por conta do boom imobiliário. "Onde você vai encontrar um lugar como esse, a um preço acessível, hoje em dia? É por isso que o negócio está crescendo na periferia", afirma o engenheiro, dono de outro drive-in, não muito longe dali.

por OMAR GODOY
com foto de MARCOS BORGES
março de 2009

NASCIDO COM OS DISCOS

Jeff Bass: de carteiro a DJ em tempo integral

Jeff Bass tem razões de sobra para comemorar. Um dos DJs locais mais requisitados em outras praças, ele acaba de ser pai pela segunda vez. De quebra, vê aumentar a popularidade de sua festa mensal, a Cambalacho, que completou um ano de atividade na semana passada.

Em um cenário onde eventos desse tipo nascem e morrem com facilidade, chegar ao primeiro aniversário é um feito. Ainda mais por se tratar de um projeto voltado para a black music, gênero um tanto quanto desprezado na terra do sertanejo universitário, da eletrônica mauriçola e do rock jurássico.

Nascido Jeferson Santos há 31 anos, Jeff cresceu ouvindo os LPs do pai, músico de um grupo de samba. "A gente não via muita televisão lá em casa. Era mais rádio e discos", lembra. Nomes como Luiz Gonzaga, Originais do Samba e Commodores fazem parte de sua memória afetiva, desde sempre embalada por ritmos dançantes.

Mas a inclinação para a discotecagem surgiu mesmo com os primeiros astros do hip-hop, ainda nos anos 80. "Pirei quando ouvi o (grupo) Run DMC. Só que eu não fazia a menor idéia de como aquele tipo de música era feito", conta.

O entendimento de que se tratavam de colagens sonoras, produzidas com toca-discos, veio de forma inusitada, por meio do antigo Xou da Xuxa. "O programa tinha um DJ, o My Boy, que um dia mostrou como parar um disco com a mão. Foi ali que eu descobri o que era o scratch", diz.

A técnica de "rabiscar" os LPs, no entanto, não funcionou muito bem em casa. "Eu não sabia que tinha de usar um feltro e acabei tomando uns cascudos do meu pai por ter arranhado os discos dele", diverte-se.

Daí em diante, Jeff não parou mais de pesquisar e praticar. Dançou break, tocou com grupos de rap e começou a discotecar. Logo se destacou nas pistas, mesclando o hip-hop americano com doses de samba-rock, funk e soul genuinamente nacionais. Era o início da revalorização de artistas como Tim Maia, Jorge Ben Jor e Banda Black Rio, ironicamente "descobertos" por colecionadores estrangeiros.

E foi justamente esse interesse pela black music tupiniquim que o levou para duas turnês internacionais. A partir de sua página no portal MySpace, Jeff fez contatos com produtores europeus e marcou datas na Itália, Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra. O mesmo aconteceu no Brasil, onde o DJ percorreu praticamente todas as grandes capitais.

Nesse meio tempo, ele largou de vez a profissão de carteiro, que defendeu por quatro anos. "Quando passei a ganhar a mesma coisa para tocar uma, duas vezes por semana, percebi que era a hora de parar de tomar chuva", afirma. Alguma lembrança marcante dos dias nos Correios? "Acho que não. Mas eu usava aquela bolsa para carregar os discos", ironiza.

Enquanto isso, a cena noturna de Curitiba o desanimava cada vez mais. As noites de hip-hop caminhavam para um lado cada vez mais comercial, musicalmente falando, enquanto os projetos alternativos simplesmente não tinham continuidade. Surgiu então a ideia da festa Cambalacho, produzida com os amigos, e também DJs, Anaum e Feiges.

A primeira edição, ele revela, foi um fracasso. Mesmo assim, o trio insistiu em tocar apenas o que quisesse, sem fazer concessões ao público. Até que o evento finalmente vingou - e se mudou do bar Soho para um lugar maior, o Era Só o que Faltava, onde acontece todos os domingos.

"É engraçado. Quando a gente deu as costas para o gosto das pessoas, elas finalmente lotaram a festa", reflete o DJ, que já viajou com a Cambalacho para Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo.

Agora, o grupo pretende profissionalizar o projeto, transformando-o numa empresa. Jeff, por sua vez, quer estudar música, para se especializar como produtor. Mas sem tirar os pés do chão.

"Já penei muito, por isso sou realista. Faço questão de passar isso para os outros caras", garante. E exemplifica: "Esses dias, eles ficaram empolgados porque um vídeo da festa teve mais de mil acessos no YouTube. Aí eu mostrei que um outro vídeo, de um gato tocando piano, teve um milhão de acessos. O gato é muito mais famoso que a gente!", brinca.

Equipe Cambalacho

por OMAR GODOY
com foto de THEO MARQUES
março de 2009

O CORPO AINDA É POUCO

André Ducci, "O Anatomista"

Para o artista André Ducci, 31 anos, o corpo humano é uma máquina. Mas uma máquina graficamente interessante. Filho de médicos e desenhista "desde sempre", ele mescla técnicas da ilustração científica e referências estéticas variadas para criar figuras que transcendem à frieza dos livros de anatomia. Não à toa, Ducci também é conhecido como "O Anatomista", nome de sua série de trabalhos mais famosa.

Formado em Gravura pela Escola de Música e Belas Artes, ele saiu da faculdade direto para os corredores do Hospital Pequeno Príncipe, onde trabalhou filmando e editando registros de cirurgias. Já envolvido com desenhos anatômicos, encantou-se pelas "imagens belíssimas" geradas pelas câmeras, principalmente as de dimensões reduzidas. "Você vê tudo cor de rosa, ou em tons de bege. É um visual agradável, abstrato".

Nesse meio tempo, Ducci também fez um curso de ilustração médica, decisivo para o desenvolvimento de sua série. "Ali, eu descobri um lado mais técnico do desenho, bem diferente da liberdade que me davam na faculdade", conta. E é justamente dessa combinação de rigor e criatividade que surgem seus trabalhos, marcados por influências visuais diversas (arte barroca, design soviético, iconografia pop, quadrinhos underground, etc.).

Seja disponível na internet ou exposto em galerias, O Anatomista virou mesmo a marca registrada do artista. Profissionalmente, no entanto, ele se mantém como ilustrador, prestando serviços avulsos para editoras, agências de publicidade, marcas de roupa e espaços como o James Bar, cuja decoração leva sua assinatura.

Representante da geração que trabalha em casa, Ducci faz questão de seguir horários e uma certa disciplina. "Muita gente acha que trabalho de pijama. Mas eu me arrumo como se fosse sair para um escritório. Só assim a coisa dá certo", ensina o morador de um apartamento antigo na área mais central da cidade.

Seu prédio fica entre a Universidade Federal e uma região, digamos, de baixo meretrício. "É, ao mesmo tempo, uma muvuca e um clima de cidade do interior, com aquelas vendinhas que não existem mais nos bairros. A gente até conhece as garotas que fazem programa por aqui, quase dá ‘oi’ para elas", diz.

Ducci ainda se define como uma pessoa "retraída", o que explica sua posição mais discreta em comparação a outros nomes curitibanos do traço - bem mais hábeis no terreno da autopromoção. "Sou fraco nessa parte. Nem sei como eles fazem para aparecer tanto", brinca.

Seu projeto para 2009, ele revela, é ser "menos ilustrador e mais artista plástico". Isso significa transformar suas criações (a maioria em suporte digital) em gravuras, para a venda ou exposição. "Tenho que voltar a aparecer, participar do circuito. Mas meu negócio é ficar desenhando em casa mesmo", admite.


por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA
março de 2009

A CIÊNCIA DA VENDA

Tecnologia, networking e formação superior
são as novas armas dos vendedores

Reginaldo vem de Pato Branco para assistir às aulas do MBA
Para Rafaela, não há mais espaço para vendedores "provisórios"


Todas as sextas-feiras, Reginaldo Lira, 29 anos, deixa a família em Pato Branco (Sudoeste do Paraná) e enfrenta algumas horas de ônibus até chegar em Curitiba. Gerente comercial de um frigorífico, ele vem à capital para assistir às aulas de um MBA Executivo em Gestão Estratégica de Vendas.

Como os outros 18 alunos da turma, Lira incorpora o novo perfil do profissional da área comercial. O vendedor "folclórico" - intuitivo, esperto e bom de papo - está com os dias contados. O cenário atual exige homens e mulheres mais cerebrais, preparados para uma competição que só aumenta.

Com a estabilização da moeda, a partir dos anos 90, a concorrência entre empresas aumentou. Hoje, o ambiente de negócios tem mais jogadores, que oferecem produtos com características e preços bastante semelhantes. Nessa realidade, o caminho do sucesso depende basicamente de dois elementos: planejamento e, principalmente, informação.

Informação sobre o mercado, produtos, clientes, concorrentes, etc. Quanto mais embasado o vendedor estiver antes de uma visita, melhor será o resultado. Daí a necessidade de se buscar uma formação especializada. Porque, do outro lado do balcão, também há gente muito capacitada.

Cada vez mais, os responsáveis pelos setores de compras das companhias são treinados na arte na negociação. E mesmo o consumidor comum, do varejo, tem mais ferramentas para garantir um bom negócio. Compradores de carros e imóveis, por exemplo, invariavelmente fazem pesquisas na internet antes de ir para a rua.

Enfim: a era romântica acabou. É hora de entender a ciência da venda, que inclui técnicas de negociação, planejamento estratégico e até noções de programação neurolinguistica.

Para isso, é preciso investir em si mesmo. Na turma de Reginaldo, alguns alunos até recebem bolsas parciais das empresas em que trabalham. Mas a grande maioria tira do bolso os R$ 470 mensais do curso (o custo total de um ano e meio de aulas fica em torno de R$ 10 mil).

Alessandro Lunardon, 37, é o diretor executivo da escola, cr
iada em 2002 e a primeira no Brasil a ter um curso superior em Gestão Estratégica de Vendas reconhecido pelo Ministério da Educação. Hoje, são dezenas espalhadas pelo país, que ministram desde módulos de curta duração a MBAs. Um verdadeiro - e milionário - mercado de treinamento, que ainda inclui uma imensa oferta de livros, DVDs, revistas, palestras.

CRISE DE IDENTIDADE

Com mais de 20 anos de experiência no campo comercial, Lunardon acredita que a nova geração está superando uma espécie de "crise de identidade". "Costuma-se dizer que o vendedor é aquele sujeito que não conseguiu ser outra coisa na vida. Isso, felizmente, está mudando", afirma.

Para ele, a questão está na diferença entre ser e estar vendedor. E também no entendimento de que o "apresentador de produtos" deu lugar ao "resolvedor de problemas". O reflexo dessa mentalidade é o surgimento da figura do consultor de vendas, mais atento às necessidades do cliente.

Aliás, são várias as formas de se identificar no cartão de visitas (ainda um dos principais instrumentos de trabalho). Há gerentes e executivos de todos os tipos: comercial, de vendas, negócios, contas... "Mas, no fundo, todos fazem a mesma coisa. Vendem", esclarece Lunardon.

Rafaela Caram, 29, define-se como consultora. Representante de um centro de convenções, vende espaço para a realização de eventos e congressos. Aluna do MBA desde o ano passado, ela conta que ingressou na área comercial por acaso, indicada por uma amiga. Hoje, não quer saber de outra coisa.

"O mercado não abre mais espaço para quem está provisoriamente na condição de vendedor. Agora é a vez dos profissionais", avalia. Formada em Turismo e Hotelaria, Rafaela não busca apenas conhecimento técnico. Para ela, o MBA vale também pela troca de experiências com os colegas. "Eu, que vendo serviços, aprendo muito com quem trabalha em outros nichos", diz.

Apesar das transformações, a essência da atividade não se perdeu. Afinal, por trás de todo o aparato, o sucesso ainda depende basicamente da motivação e da performance individual. "A gente é movido pelo desafio, pelo tesão. Você não imagina o prazer que é fechar um pedido", diz Lira, de Pato Branco.
Nessa hora, o lado aventureiro, quase primitivo, do comércio fala mais alto. "É como voltar para casa com a caça nas costas", compara Lunardon.

NO LUGAR DA PAST, O PALMTOP

Primeira revista técnica sobre vendas do país, a Venda Mais vai completar 15 anos de circulação em abril. Conta com 30 mil assinantes da versão impressa e cerca de 115 mil de seu boletim digital. De quebra, o grupo agencia palestrantes e produz CDs e DVDs de treinamento.

"Somos a maior comunidade de vendas da América Latina", festeja Rodrigo Saporiti, 38, gerente de novos produtos da companhia, sediada em Curitiba. Ele conta que a publicação surgiu de uma necessidade de seu fundador, o empresário Raul Candeloro. "Como não encontrava conteúdo específico em português, o Raul decidiu fundar a própria revista".

De acordo com Saporiti, até o pai de Candeloro, um experiente homem de negócios, viu com desconfiança o lançamento da Venda Mais. "Ele achava que o assunto se esgotaria em oito edições. Mas muitos vendedores treinados pela revista acabam virando coordenadores, e depois fazem assinaturas para a sua equipe. É uma bola de neve", afirma.

Para o gerente, que lida com esse mercado há dez anos, as mudanças recentes na área comercial têm como base a tecnologia. "Em vez da pastinha, o vendedor agora usa celular, notebook, palmtop. Ele pesquisa o site do cliente antes da visita, e já chega conhecendo todas as necessidades do comprador".

Outra novidade é a ampliação temática do treinamento, antes dedicado quase que inteiramente à motivação. A Venda Mais, ele explica, trabalha com um tripé conceitual chamado C.H.A. (Conhecimento, Habilidades e Atitudes). Nesse pacote entram técnicas de neurolinguistica, negociação, abertura e fechamento de pedidos, análise da concorrência, atendimento, fidelização, venda cruzada, etc.

Quanto ao aspecto comportamental, Saporiti garante: foi-se o tempo em que o vendedor empurrava produtos para o consumidor. "Para nós, vender é ajudar o cliente a decidir o que é melhor para ele".

por OMAR GODOY
com fotos de THEO MARQUES
fevereiro de 2009

ELES PROCURAM PARA VOCÊ

Reportagem acompanha, passo a passo,
o trabalho de uma agência de casamentos


Todos os dias, dezenas de homens e mulheres passam discretamente por uma certa casa no Alto da XV. Trata-se de um espaço comercial, mas não há qualquer tipo de placa ou letreiro indicativo. Lá dentro, a decoração simples, um tanto antiquada, reforça a impressão de sobriedade. Tudo em nome da segurança, palavra-chave de um negócio que já dura 14 anos.

Ali, funciona o quartel general da mais conhecida agência de casamentos de Curitiba. Existem pelo menos outras quatro na cidade, porém nenhuma com tantos clientes. São cerca de mil cadastrados, que pagam uma taxa anual para incluir seu perfil no banco de dados de Sheila Rigler, uma pedagoga que deixou o serviço público para se tornar a casamenteira número um do pedaço.

Sheila garante que a Par Ideal - nome fantasia da SRC Relações Humanas - já intermediou 1.300 uniões. Para engrossar essa lista de finais felizes, os clientes devem desembolsar R$ 1 mil por ano (ou até R$ 1.300, em caso de parcelamento). Um valor, convenhamos, proibitivo mesmo para a classe média "mais média".

A proposta é mesmo selecionar os melhores partidos das redondezas. E não só delas. Há muitos cadastrados de outros estados, dispostos a se mudar de cidade para viver com alguém do sul do país (na visão deles, gente de um nível melhor, sejá lá o que isso quer dizer).

Os separados e divorciados compõem 47% do total de clientes, seguidos pelos solteiros (45%) e viúvos (8%). A porcentagem de pessoas com nível superior chega a 95%. Advogados, médicos e profissionais liberais em geral formam o grosso da freguesia. Indivíduos que aparentemente priorizaram a vida profissional, e agora correm atrás dos prejuízos afetivos.

Mulheres de 30 a 45 anos, que nunca se casaram, são o fenômeno do momento na agência. Muitas delas cursaram pós-graduação e mestrado, inclusive no exterior. Ou seja: contrariam a ideia preconcebida sobre quem procura esse tipo de serviço - figuras isoladas, amarguradas, etc.

Não que o banco de dados de Sheila seja um desfile de beleza e inteligência. No entanto, é impossível não se surpreender com o perfil dos candidatos. Mas então por que terceirizar um processo que, teoricamente, eles mesmos são capazes de administrar? Seria mais um reflexo de um mundo onde tudo se compra, tudo é mercadoria?

Para entender esse universo, a reportagem da FOLHA fez uma imersão de uma semana no QG do Alto da XV. Nos textos a seguir, você acompanha, passo a passo, a receita de um casamento mediado. E também histórias de quem está, ou já esteve, em busca de sua outra metade. Porque, na pior das hipóteses, há sempre um chinelo velho para um pé cansado.

DO BÁSICO AO METAFÍSICO

A máxima de que "os opostos se atraem" é pura balela para o staff da Par Ideal, composto por seis funcionários, incluindo uma psicóloga. Afinal, a essência da atividade está justamente em aproximar perfis compatíveis. O encantamento por alguém diferente, portanto, não faz parte do pacote.

Depois de descobrir a agência por indicação, internet ou propaganda, o potencial cliente faz uma primeira visita ao escritório. Conhece o sistema e passa por uma entrevista prévia, cujo objetivo é eliminar candidatos inadequados ou mal intencionados. Detalhe: a empresa só aceita heterossexuais.

Pessoas em vias de se separar, são aconselhadas a esperar um tempo para se cadastrar. O mesmo vale para quem apresenta, digamos, alguma fragilidade emocional mais grave. Estes podem até ser encaminhados para uma terapia.

Há, ainda, casos em que o candidato não consegue disfarçar a intenção de dar o golpe do baú. Segundo Sheila Rigler, da Par Ideal, vira e mexe aparecem mulheres jovens e lindas procurando homens acima de 60 anos. Como diz o outro, "Aí tem!".

Superado esse estágio, seguem-se o pagamento, a assinatura de um contrato que protege ambas as partes e outro bate-papo (mais aprofundado) com a psicóloga. Por fim, o cliente preenche uma ficha com seus dados pessoais - talvez o elemento mais importante e decisivo de todo o processo.

O documento traz um questionário completíssimo, minucioso. Do básico ao metafísico, busca-se saber de tudo: "Você fuma?", "Acredita em Deus?", "Tem imóvel próprio?", "Por que se separou?", "Usa preservativo?". Esta última, por sinal, é uma das raras perguntas em que o candidato deve revelar seus hábitos sexuais.

As fotos, obviamente, também são fundamentais. Cada ficha deve ter no máximo cinco, de preferência em poses naturais (mas há quem capriche no book profissional). Registros de viagens, sobretudo internacionais, são bastantes comuns. Vale tudo para impressionar.

Como era de esperar, o visual é o principal fator de eliminação por parte dos homens. As mulheres, por sua vez, costumam rejeitar pretendendes fumantes, de escolaridade inferior e com um histórico de casamentos desfeitos.

Na agência, como fora dela, a regra é clara: quanto maior for o nível de exigência, menor é a chance de sucesso. Em algumas situações, é tanto preciosismo que os profissionais têm de interferir.

Como no caso da cliente poliglota que só queria um parceiro fluente em cinco línguas. Passou meses esperando até que foi chamada para conversar com a psicóloga. Acabou topando sair com um sujeito que domina dois idiomas - e está feliz com ele.

QUEM É QUEM

Perfil cadastrado, o computador se encarrega de procurar fichas compatíveis. Mas apenas com relação a detalhes básicos, como preferência por cor de pele, estado civil, escolaridade, etc. O caldo da receita fica mesmo por conta do feeling da equipe, que sabe quem é quem somente de olhar as fotos.

A cada 20 dias, os clientes podem ir ao escritório analisar até cinco fichas de pessoas supostamente parecidas com eles (nada é feito pela internet, ao contrário de outros serviços mais recentes). Se gostou de todas, escolhe a preferida, que também é consultada. Caso os dois queiram se encontrar, a agência passa o telefone da mulher para o homem, que deve ligar e fazer um convite.

Depois do encontro, o staff entra em contato com ambos. Se querem continuar saindo, seus perfis deixam de ser mostrados para os outros cadastrados. Quando não há "química", volta-se à estaca zero.

Em uma terceira situação, a mulher gosta do homem, porém não é correspondida (ou vice-versa). O candidato, então, tem duas opções: dar o fora "na lata" ou pedir para o escritório terceirizar o trabalho sujo.

Nem sempre a conduta do cliente é exemplar, em especial a dos homens. Há exemplos de pessoas desligadas da agência por cometerem grosserias imperdoáveis. Sheila lembra do médico que se decepcionou com uma moça logo que ela entrou em seu carro. Sem cerimônia, deu a volta na quadra e a deixou em casa. Foi sumariamente expulso.

No mais, há toda uma etiqueta para o primeiro encontro. Os homens devem pagar a conta (sugerir uma divisão, segundo a empresária, é assinar a setença de morte). Já as mulheres são aconselhadas a não cederem aos apelos por sexo, pois podem estar sendo testadas.

Caretice? Pode ser. Mas o fato é que todos os cadastrados buscam um relacionamento sério, à moda antiga. Mesmo pagando por isso.

Sobre essa "mercantilização", Sheila ressalta que a mediação de casamentos sempre foi comum ao longo da história, nas mais variadas culturas. Ela só não pode adotar o lema "satisfação garantida ou seu dinheiro de volta".

"Uma vez, uma cliente reclamou da agência, dizendo que nós indicávamos para ela pessoas iguais às que estão na rua. Tive de responder que somos apenas mediadores, e não uma fábrica de pessoas", brinca.

FILHOS, CACHORROS E OUTROS BICHOS

Denise* se considera uma pessoa ''família''. Aos 44 anos, ela até gosta de sair à noite com as amigas. Mas prefere ficar em casa com o casal de filhos adolescentes e os bichos de estimação. São sete cachorros e um gato, além de peixes, pássaros e uma tartaruga.

''Na boemia, você só consegue beijo e cama. É muita aventura'', diz a professora, que hoje vive de rendas. Divorciada há 14 anos, Denise já teve dois relacionamentos sérios depois da separação. Agora, quer se casar novamente.

Tomou conhecimento do anúncio da Par Ideal e, sem qualquer tipo de preconceito, ingressou na agência. Saiu com seis homens no último ano, e chegou a namorar dois deles. Gostou tanto da experiência que acaba de renovar o contrato por mais uma temporada.

Apesar de seu despreendimento, ela reconhece que nem todo mundo compreende sua opção por terceirizar a conquista amorosa. Ainda mais por se tratar de uma mulher bonita, comunicativa e com uma situação financeira bastante confortável. ''Minhas amigas sempre me perguntam se eu realmente preciso disso'', conta.

No entanto, nem tudo são flores para Denise. Para começo de conversa, não é fácil encontrar um companheiro com dois filhos à tiracolo. Como se não bastasse, ela não abre mão de criar tantos cachorros (aliás, essa é uma das perguntas do questionário). Para se ter uma ideia, sua mãe já procurou a agência para pedir que alguém a convencesse a dar um tempo na bicharada. Foi em vão.

Fábio, o filho de 13 anos, também participa do processo. Ele a acompanha nas visitas ao escritório e dá seus pitacos sobre as fichas apresentadas. Como a mãe, o garoto solta tiradas engraçadíssimas. ''O fulano estava mais para amigo gay do que para namorado dela'', diz, sobre uma das figuras que passaram por sua casa.

Porque Denise faz questão de mostrar a ''vida como ela é'' aos pretendentes. Mesmo quando sai para jantar com um homem, começa a noite apresentando-o aos filhos, à mãe e, é claro, ao minizoológico. Questionada se o expediente não estaria assustando os candidatos, ela é firme: ''Não adianta omitir. Uma hora a realidade vai aparecer''.

O que mais a irrita é gente mesquinha. No ano passado, viajou para Buenos Aires com um namorado que conheceu pela agência e voltou decepcionadíssima. ''Ele queria dividir até o táxi'', recorda.

Esse mesmo sujeito, segundo ela, não sabia beijar. Fábio lembra bem dele. ''Minha mãe dizia que ele dava beijo de pica-pau, só encostando a boca'', comenta o garoto, que já eliminou um candidato por ter declarado, na ficha, não usar preservativo. ''Imagina se ele engravida a minha mãe!'', apavora-se.

Em outra ocasião, um homem veio do Nordeste só para conhecê-la. A experiência, porém, foi ruim. Logo de cara, o sujeito olhou torto para um cachorro que subiu no sofá. Mais tarde, quando sua mãe resolveu tocar piano na sala, ele pediu para parar com a música.

Mesmo assim, Denise está animada para iniciar o segundo ano de contrato. E quando o repórter observa que há um clima de excitação adolescente no ar, ela não titubeia. ''É claro que tem uma adrenalina envolvida. Só de entrar na agência você sente isso. É que o coração continua batendo, né?''.

UM HOMEM APAIXONADO

Cláudio*, 48, é o típico solteirão bem-sucedido. Dono de dois restaurantes descolados da cidade, sabe gastar muito bem o dinheiro que ganha. Tem moto, jipe, viajou o mundo inteiro... Sem contar as centenas de mulheres que já passaram por seu apartamento. "Cheguei a transar com oito numa mesma semana", conta.

Mas, como ele mesmo diz, "sempre faltava alguma coisa". Cansado daquele prazer apenas momentâneo, o empresário resolveu procurar a Par Ideal, que descobriu por meio de amigas. Cadastrado desde setembro do ano passado, já saiu com seis candidatas. E acaba de conhecer aquela que, segundo ele, é a mulher de sua vida.

Antes disso, porém, Cláudio teve uma decepção amorosa. Sua noiva reencontrou um amigo de infância no Orkut, terminou o relacionamento e casou com a figura pouco tempo depois. Ou seja: estava fragilizado.

No fim de 2008, já ligado à agência, engatou um namoro de três meses com uma moça. Romperam por conta da imaturidade dela, que criava caso por qualquer besteira. Saiu com outras mulheres, sem sucesso, até bater o olho na ficha de uma fisioterapeuta, 12 anos mais nova. Foi amor à primeira vista.

O empresário gostou tanto dela que criou um clima especial só para dar o primeiro telefonema. Estacionou o carro no Parque Barigui e, de frente para o lago, convidou-a para sair.

Mais tarde, também se apaixonou por seus dois filhos pequenos. Agora, planejam fazer uma viagem de navio no fim do ano, incluindo no passeio os pais de ambos. Tudo isso com pouco mais de um mês de namoro! "Parece precipitado, mas não é. Quando a gente encontra alguém especial, não quer perder tempo", garante.

Cláudio acredita que a agência apenas substitui a figura do amigo que aproxima um casal. Para o empresário, o grande trunfo de todo o processo é o detalhamento do questionário, que ele chama de "ficha técnica". "Sou um cara que não consegue passar todas as minhas qualidades na noite, numa paquera. Nesse sentido, a ficha facilita muito", afirma.

"NÃO ENTREI AQUI PARA BRINCAR"

As mulheres são 60% da clientela da agência. No entanto, isso não significa que os homens cadastrados se sintam como sultões num harém. Principalmente os mais novos, quase sempre descartados por candidatas em busca de parceiros maduros.

Mas o que leva um jovem que sequer bateu na casa dos 30 a procurar esse tipo de serviço? Diego*, um advogado de 28 anos, explica. "Por segurança", diz, repetindo o mantra da empresa.

Ele conta que quer se proteger de mulheres psicóticas, casadas, drogadas e interesseiras. Não entra em detalhes, porém dá a entender que seus pais têm uma situação financeira bem acima da média.

Antes de entrar na agência, Diego perdeu, em questão de meses, a namorada e o emprego. Entrou numa fase de estresse agudo e acabou indo parar no consultório de um psiquiatra. Por sugestão do médico, ingressou na empresa de Sheila. Pouco depois, deu-se a alta da terapia.

Não se considera traumatizado, apenas "escaldado". Quer conhecer mulheres de até 35 anos com personalidade forte, mas que não sejam vulgares. "Gosto de pessoas ativas, com energia, que se cuidem. Está cheio de gente sem sal por aí", reclama.

Cadastrado há nove meses, só conseguiu sair com meia dúzia de moças compatíveis com seu perfil e faixa etária. Por isso, vai ganhar um tempo extra no contrato. Das seis pretendentes com quem se encontrou, não passou do primeiro encontro com nenhuma. "Mas confio muito em mim mesmo, no destino e no trabalho da agência. Porque as melhores pessoas estão aqui", afirma.

De qualquer forma, ele recomenda que os candidatos não dependam apenas do trabalho dos mediadores. "A agência é só uma ajuda a mais. Você deve procurar fora também".

Quanto ao fato de nunca ter ido além do primeiro encontro, Diego é enfático. "Não entrei aqui para brincar, nem para magoar ninguém", garante, com a objetividade comum entre todos os entrevistados.

PAPEL PASSADO

Levou um certo tempo para Letícia* tomar coragem e se cadastar na empresa. Se continuasse com receio, talvez não estivesse agora embalando o primeiro filho, prestes a completar um ano. Sim, a pedagoga, hoje com 39 anos, conheceu o marido via agência e, em menos de três meses, engravidou e se casou de papel passado.

Letícia, que sempre quis formar uma família, começou o processo procurando homens solteiros na faixa dos 40 anos. Logo teve de alterar sua ficha, pois, segundo ela, os candidatos eram "problemáticos e mal resolvidos". "Um cuidava do pai, o outro era muito indeciso. Raramente a coisa passava do primeiro encontro", revela.

Entre idas e vindas, saiu com Mauro, um engenheiro quatro anos mais velho, separado e pai de um adolescente. Apaixonaram-se. O resto é história.

"Se você trabalha e tem dinheiro, não vejo motivo para não pagar por esse serviço. A agência não dá garantias, apenas proprociona encontros. É como um bar, mas com mais praticidade e segurança", compara.

De acordo com Letícia, quem se cadastra numa empresa casamenteira sabe exatamente o que quer. Por conta disso, ela diz, o filtro desenvolvido a partir dos questionários é bastante eficiente.

A pedagoga ainda conta que os perfis dela e do marido eram tão parecidos que, hoje em dia, quando surge alguma diferença entre os dois, elem citam a agência. "A gente brinca um com o outro, cobrando que tal coisa não estava na ficha", diverte-se.

*nomes fictícios

por OMAR GODOY
com ilustração de MARCO JACOBSEN
maio de 2009