AYAHUASCA SEM DOGMA

Grupos independentes se reúnem
para tomar o chá do santo-daime
sem a interferência de religiões

Fernando Cracco fundou, há três anos, o Instituto Ayahuasca


Tony, com a namorada Abigail: "filme do inconsciente"

Participantes se preparam para o início do ritual

O litro do chá custa R$ 80


Mais de dez tradições populares já receberam o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, criado pelo governo em 2000 para preservar formas de expressão ancestrais. A lista conta com algumas manifestações conhecidas do grande público (como o frevo pernambucano) e outras que ainda não ganharam reconhecimento fora de suas regiões (caso da viola-de-cocho do Mato Grosso).

Nesses oito anos, ninguém contestou a importância do Círio de Nazaré ou do Samba de Roda do Recôncavo Baiano, costumes que também receberam o diploma. Mas, em abril, a deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC) colocou o registro em evidência ao pedir a inclusão do chá ayahuasca, mais conhecido como santo-daime.

Produzida a partir da fervura de duas plantas amazônicas - o cipó de jagube e as folhas da chacrona -, a bebida contém DMT, um elemento tóxico e psicoativo que pode causar alucinações. A Secretaria Nacional Anti-Drogas permite sua utilização, porém restrita a ambientes religiosos. Até aí, nenhum motivo para polêmica. Não fosse o fato de que os rituais ayahuasqueiros têm se proliferado pelos centros urbanos nos últimos anos.

Estima-se que 20 mil brasileiros são adeptos das três religiões sincréticas calcadas no uso da substância: Santo Daime, União do Vegetal (UDV) e Barquinha. Esse número, no entanto, pode dobrar quando entram na conta os centenas de grupos independentes espalhados pelo Brasil.

Só em Curitiba existem, pelo menos, dez deles. Do novato Centro Universalista Mãe Terra (CEUMT), com cerca de 15 frequentadores, ao consolidado Instituto Ayahuasca, cujo espaço costuma receber até 60 pessoas por sessão. Sem contar iniciativas isoladas, promovidas em círculos restritos de amigos.

O psicólogo Fernandes Ribeiro, 38, foi praticante de uma religião ayahuasqueira (que prefere não identificar) durante 18 anos. Insatisfeito com a expansão da instituição, desvinculou-se e, há poucos meses, fundou o CEUMT. "A coisa ficou tão grande que inviabilizou aquele contato original, essencial. Quanto mais gente envolvida, mais regras devem ser criadas para controlar o sistema", diz.

Ribeiro afirma que a popularização dos grandes cultos não é a única motivação para a formação dos sistemas independentes. De acordo com ele, há quem simplesmente não se identifique com a simbologia e os dogmas do Daime e seus congêneres - que podem contar com danças, hinos e o uso de vestimentas específicas, entre outras obrigatoriedades.

Enquanto os encontros do CEUMT ainda ocorrem na casa de Ribeiro, o Instituto Ayahuasca está em um estágio mais avançado. Criado há três anos, tem como sede o centro de terapias alternativas comandado por seu fundador, o acupunturista Fernando Cracco, 43. Trata-se de uma instituição legalizada e sem fins lucrativos, que inclusive mantém um cadastro formal de seus freqüentadores. "Está tudo aqui, à disposição da Polícia Federal", diz Cracco, mostrando uma pasta lotada de fichas.

O terapeuta conta que teve sua primeira experiência com ayahuasca há cinco anos, orientado por um "mestre" de origem peruana. "Cada grupo tem seu sistema. O nosso é baseado nas tradições maias e astecas", afirma. Ainda assim, Cracco acredita que os independentes formam, na verdade, um único e grande grupo, marcado pela ajuda mútua.

Essa cooperação, ele explica, inclui a circulação do chá. O problema não é exatamente o preço (em torno de R$ 80 o litro), e sim a dificuldade para consegui-lo. "Já sofremos muito por falta da ayahuasca, por isso temos o projeto de iniciar uma produção própria", revela o terapeuta, que muitas vezes fala da bebida como se ela tivesse vida.

Sobre a possibilidade de criar "franquias" do instituto, Cracco não titubeia: "Nem pensar! Isso vai contra a nossa proposta". Sua meta, no entanto, é organizar um espaço com capacidade para 400 pessoas. "Mas isso não fui eu que defini. Foi o ayahuasca que me passou", garante.

"CÉUS E INFERNOS"

Mais de 50 pessoas se reuniram, no último domingo, na sede do Instituto Ayahuasca, no bairro do São Francisco, em Curitiba. Gente, basicamente, de classe média e formação universitária, mas de todas as idades. Já passava das 14 horas quando Fernando Cracco, responsável pelo centro, iniciou uma preleção.

Descalços e sentados em cadeiras de plástico, os participantes ouvem compenetrados suas orientações. Praticamente um terço dos presentes estava ali pela primeira vez, trazidos por amigos, parentes ou parceiros. Como o administrador de empresas Tony Donaccorso, 43. Sua namorada, Abigail, bebeu o chá há pouco tempo e o convenceu a experimentar também. "Sou ateu, mas hoje acordei querendo fazer uma coisa diferente", diz Tony.

Mais escolada, a estudante de Educação Física L.N., 29, ajuda na organização do encontro. Cadastra os visitantes e recolhe R$ 10 de cada um - valor que custeia a bebida. Ela conta que começou a visitar o instituto no ano passado. "Já vinha buscando um lado espiritual e até cheguei a frequentar um centro espírita, mas não gostei".

Há quatros meses, L.N. perdeu a mãe. Hoje, acredita que a aproximação com a ayahuasca serviu como uma espécie de "preparação" para o momento doloroso. "O sofrimento é o mesmo. A diferença é que eu compreendo melhor meus sentimentos", reflete.

G.D. foi professor de L.N. na faculdade. Especialista em Fisiologia, era "totalmente ateu" até que, por insistência da aluna, conheceu o instituto, em junho. "Naquele mesmo dia, matei minha descrença", afirma.

Usando uma camiseta com motivos hindus, ele também exibe uma aliança de noivado. "Tinha uma espécie de bloqueio nos meus relacionamentos. Meus namoros não duravam mais de quatro meses", confessa, sem esconder a felicidade pela mudança.

Durante a rápida palestra, Cracco explica os detalhes do ritual e descreve os benefícios trazidos pelo chá. Entre eles a possibilidade de curar dependentes químicos e viciados em geral. "A ayahuasca é uma professora. Ela vem para ensinar e libertar a pessoa de tudo o que a escraviza" diz. E enfatiza: "Vocês vão ter um encontro com vocês mesmos, com seus céus e infernos".

Na seqüência, todos vão para o subsolo, equipado com colchonetes, cobertores e sacos plásticos (é comum vomitar ou ter diarréia durante o processo). Embalados por mantras e CDs com temas new age, os participantes enfim tomam o chá, em copinhos de café. Seguirão deitados até às 21 horas, sob a supervisão de Cracco e seus assistentes. Antes, todas as portas do instituto são trancadas - e a reportagem é obrigada a se retirar.

Na segunda-feira, pela manhã, Tony relata sua jornada. Por telefone, revela que teve a melhor experiência de sua vida. "Foi como ver um filme muito claro sobre o meu inconsciente. Percebi pontos positivos e negativos e entendi porque tenho determinados problemas".

Alguns momentos, ele admite, foram de tristeza e angústia, principalmente quando questões familiares vieram à tona. Mesmo assim, o administrador pretende voltar ao centro. "Isso não tem nada a ver com religião. Tem a ver com você mesmo, com uma descoberta pessoal. Com o ayahuasca, ninguém precisa de psicólogo".

A julgar pelos relatos, essa interiorização, somada à independência de dogmas e sacerdotes, é o que tem atraído cada vez mais interessados aos grupos ayahuasqueiros. Mais do que isso, como dizem os ayahuasqueiros, só tomando para saber.

OPINIÃO PROFISSIONAL

A professora Maria Virgínia Cremasco, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é orientadora de um grupo de alunos que pesquisa o uso da ayahuasca em centros urbanos. Ela explica porque a procura pela bebida tem aumentado.

"O ayahuasca induz a estados alterados que proporcionam vivências diferenciadas. A pessoa tem acesso rápido a um material psiquíco que faz muito sentido para ela, porque não veio de fora para dentro", diz a psicóloga, que revela já ter experimentado o chá.

De acordo com a professora, quem consome a bebida pode descobrir a razão de algum sofrimento ou angústia - e isso tem um resultado positivo. "Minha única crítica é quanto ao processo se limitar ao ritual. É preciso fazer um trabalho terapêutico em seguida, para encontrar instrumentos e ferramentas que possam dar significado ao que se descobriu. Do contrário, nada muda".

Presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antonio Bessa compara o ayahuasca ao LSD e alerta para o risco do uso fora do contexto ritualístico. "É mais seguro quando há um controle social, no sentido de tomar o chá em datas e quantidades específicas".

Especialista em dependência química, ele não confirma a eficácia da bebida no tratamento de viciados, como prometem alguns grupos independentes. "Isso ainda é folclore. Na minha avaliação, só se substitui uma substância por outra".

E se o leitor da FOLHA souber que o filho freqüenta um grupo ayahuasqueiro? Deve se preocupar? "Esse pai deveria acompanhar o filho. É melhor que o jovem vá a um culto sério do que ao bar, para consumir fumo e álcool, muito mais perigosos", diz Maria Virgínia. Basso é mais cauteloso. "Cada família tem seus valores. Mas, como pai, eu me preocuparia", conclui.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA (chá)
e MARCOS BORGES (outras)
novembro de 2008

ENSAIO SOBRE O SOM

Laroca assina o trabalho de som de Ensaio Sobre a Cegueira


Alessandro Laroca está em cartaz nos cinemas com Ensaio Sobre a Cegueira, do diretor Fernando Meirelles. E antes que alguém pergunte: não, ele não está entre os personagens que perdem a visão e são confinados em uma espécie de campo de concentração.

Laroca, de 38 anos, é o supervisor de edição de som do longa-metragem. Coordena uma equipe de dez técnicos, responsáveis por criar a atmosfera sonora do filme. Detalhe: tudo produzido em Curitiba, em um estúdio localizado no bairro do Alto da XV.

"Durante a filmagem, praticamente só se captam os diálogos. Todo o resto é feito depois. Nosso trabalho é desenvolver efeitos, dublagens e acréscimos de som. Do barulho da porta do carro aos passos dos personagens", explica.

Um dos poucos - e reconhecidamente bons - profissionais do gênero no Brasil, Laroca trabalhou em títulos como 2 Filhos de Francisco, Olga, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias e Tropa de Elite, entre outros. Mas a projeção veio mesmo com Cidade de Deus, que lhe rendeu prêmios nacionais e internacionais. "O Fernando (Meirelles) queria ter um brasileiro no departamento de som, que era todo composto por estrangeiros, e acabou me chamando", lembra.

Nascido em Castro, Laroca chegou a Curitiba no fim dos anos 80. Já atuava como músico profissional e técnico de estúdio quando resolveu estudar cinema em São Paulo. As duas paixões se combinaram e, até por falta de mão-de-obra especializada no mercado, ele se encaminhou para a área audiovisual. Praticamente um autodidata, começou trabalhando em curtas-metragens universitários, até ser convidado para produções maiores.

Sobre o fato de não estar em um grande centro, mas participar de filmes importantes, ele conta que a descentralização é uma tendência no cinema. "É comum, por exemplo, um longa ser montado na Nova Zelândia, mixado na Inglaterra e finalizado nos EUA. Muita coisa é acertada em conference calls (reuniões a distância, via telefone). Mesmo em Hollywood os caras não querem mais sair de casa", diz.

Atualmente, sua equipe desenvolve três projetos. O longa À Deriva, do cineasta Heitor Dhalia, e as séries de tevê Som e Fúria (para a Rede Globo) e Filhos do Carnaval (HBO). Quanto às metas e sonhos, ele prefere ser realista. "Meu objetivo é ter condições ideais de trabalho. Há um desconhecimento enorme com relação ao que fazemos, inclusive dentro do próprio meio cinematográfico. Se as pessoas tiverem mais noção da importância do som em um filme, poderão nos ajudar a trabalhar melhor", afirma.

por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA
outubro de 2008

GURUS IN COMPANY

Palestrantes motivacionais buscam
destaque em um mercado dominado
por executivos, atletas e celebridades

Maurino Veiga: "assistente de realização de sonhos"

O consultor Petrúcio Chalegre, vulgo Monge Genshô


Para cada Bernardinho, Max Gehringer ou Arnaldo Jabor que se apresenta Brasil afora, há centenas de anônimos em busca de destaque no concorrido terreno das palestras corporativas. Não se sabe ao certo os valores que esse mercado movimenta - até porque o sigilo faz parte do negócio. Mas a julgar pelo grande número de novatos à disposição, estima-se que seja um filão lucrativo mesmo para quem ainda não representa uma grife.

''Também não saberia dizer esse número, mas acredito que sejam uns bons milhões'', diz o empresário português Paulo Campos, diretor da agência de palestrantes Via Tecla, na ativa há pouco mais de dois anos.

Com escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, a empresa administra um ''banco de talentos'' com cerca de cem consultores (como também são chamados os profissionais da área). ''Do ano passado para cá, a procura praticamente dobrou'', revela.

Na internet, há ofertas para todos os gostos e bolsos. De executivos aposentados a esportistas vitoriosos, passando por mágicos, monges e celebridades do terceiro time. O site de uma outra agência paulista chega a dividir os palestrantes em diversas categorias - sobra espaço até para os ''Iniciantes Bons e Baratos''.

A remuneração começa em cerca de R$ 2 mil, mas não é raro encontrar quem fale de graça para ganhar público. Já o teto pode chegar a R$ 100 mil, caso do cachê do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Não à toa, já existe uma escola de formação para o setor. A Academia do Palestrante, em São Paulo, oferece cursos como Teatro para Não-atores (Técnicas Teatrais para a Comunicação em Público) e Empreendedorismo para Palestrantes (Extensivo e Intensivo). A lição é clara: ser bom de bico não é o suficiente. Se o novato não souber gerir a própria carreira, morre na praia.

Cerca de 90% das palestras são realizadas no sistema in company, com exclusividade para o público de determinada empresa. Os temas giram em torno de quatro núcleos básicos: liderança, vendas, qualidade de vida e motivação. Estes dois últimos, mais universais, são a base do mercado.

De um lado estão companhias cuja filosofia inclui a máxima de que ''funcionários felizes são mais produtivos''. Do outro, há empregados muitas vezes estressados e desanimados. É o território perfeito para os palestrantes, sempre prontos para levantar o moral da tropa.

''No fim dos eventos, todos saem extasiados com a possibilidade de mudar de vida, seja no trabalho ou em casa'', diz o conferencista Diego Berro, paulista que hoje mora no eixo Curitiba-Balneário Camboriú.

Aos 25 anos, e há 6 no mercado, Berro foi considerado pelo Guiness o palestrante mais jovem do Brasil. Também era dele o recorde de palestras realizadas num único dia (11, em Ponta Grossa), mas um colega gaúcho superou sua marca - por apenas um evento.

Diplomado em cursos de neurolinguística, ele garante que seu trabalho não tem nada a ver com auto-ajuda. No entanto, acredita haver uma ligação entre as conferências e sua origem na Igreja Adventista. ''Como nasci dentro da igreja, isso me gera um equilíbrio emocional e espiritual".

Diego Berro é apenas um dos muitos palestrantes que se lançam por conta própria, sem um histórico de grandes realizações no currículo. Como o ex-servidor público Osmar Coutinho, de 48 anos, que há 15 trocou o funcionalismo pelos auditórios de empresas.

''Existem pessoas que falam com amigos ou colegas de trabalho e, de repente, estão rodeadas de gente querendo ouvir. São pessoas que se sentem bem e sabem dar conselhos interessantes. Era o meu caso'', conta.

PRIMEIROS PASSOS

Para quem ainda não é conhecido no meio, o caminho das pedras inclui se oferecer para falar de graça e escrever artigos, também sem remuneração, em sites e publicações sobre planejamento de carreira, vendas, bem-estar, recursos humanos e afins. Na página do conferencista Diego Berro, por exemplo, o internauta pode se consultar por meio de textos como ''Agradeça em vez de reclamar'', ''Empreenda seus sonhos'' e ''A influência das cores, dos sons e das sensações no processo de venda''.

Outra porta de entrada para o mundo das palestras in company são os livros. Daniel Godri Jr., de 30 anos, já escreveu três: ''Mudanças e Oportunidades - 70 Dicas para Você Vencer as Montanhas do Medo na Vida e Nos Negócios'', ''Venda Mais e Melhor - Aumente seu Volume de Vendas e o seu Faturamento'' e ''Sou Campeão por Natureza - Segredos dos Animais para ser um Vencedor''.

Além do livros, Godri Jr. tem CDs e DVDs lançados e apresenta um programa de TV numa emissora ligada ao catolicismo carismático. Segue os passos do pai, veterano no mercado das palestras motivacionais. ''Acho que é o primeiro caso de segunda geração atuando no meio'', diz.

Questionados sobre a fama de ''gurus'', os palestrantes desconversam. Mas não escondem uma certa vaidade. ''Sou um anjo disfarçado, um amigo que ajuda o outro a caminhar mais rapidamente'', afirma Osmar Coutinho. ''Querendo ou não, você acaba influenciando pessoas'', opina Godri Jr.

O rótulo também é rejeitado por Maurino Veiga, de 37 anos, fundador do instituto que leva seu nome e um dos consultores mais requisitados de Curitiba. ''Me considero um assistente de realização de sonhos, só isso'', garante.

Ao contrário de muitos palestrantes que fazem da própria casa sua base de contatos, Veiga atende em um amplo escritório no centro de Curitiba. E não trabalha só. Cerca de 25 colaboradores - entre médicos, psicólogos e assistentes administrativos - fornecem o suporte necessário para o desenvolvimento de seus programas de motivação, qualidade de vida, relacionamento interpessoal, etc.

Formado em Administração, Marketing e com alguns cursos realizados na área terapêutica, Veiga define seu público: ''São pessoas muito inteligentes, que querem melhorar sua qualidade vida e não conseguem''. Mas por que não conseguem, se são tão inteligentes? ''Porque a rotina não as deixa pensar, e elas acabam não criando um tempo para desenvolver uma vida com mais qualidade'', responde.

Para o palestrante e professor universitário Marcelo Karam, o problema está no autoconhecimento. Ou melhor, na falta dele. ''A educação não estimula as pessoas a refletir, apenas a produzir'', diz o ex-campeão de ginástica aeróbica.

Mais crítico do que os colegas, ele também aponta o estágio atual do capitalismo como um dos fatores responsáveis pela desestruturação do indivíduo. ''A economia está aquecida, mas o planeta não suporta mais um ritmo tão maluco. Nesse ambiente competitivo, as pessoas adoecem, tornam-se depressivas, viciadas em remédios''.

As empresas, por sua vez, atuam numa via de mão dupla: ao mesmo tempo em que estimulam a competitividade, contratam palestrantes para falar sobre motivação e qualidade de vida. Karam concorda. ''As empresas são altamente contraditórias. Muitas delas querem que eu chegue, fale e que tudo continue como está. Acho até que não faço mais trabalhos porque nem sempre digo o que os contratantes querem'', confessa.

Agradando ou não os patrões, os motivadores de plantão nem sempre provocam mudanças por onde passam. Não necessariamente por culpa deles, e sim de quem contrata. ''Há bons e maus profissionais em qualquer atividade econômica. O problema é que, muitas vezes, as empresas consomem essas ferramentas por modismo e não as usam de maneira adequada'', afirma o consultor de RH Cássio Mattos, ex-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) e atualmente membro do conselho deliberativo da entidade.

Ele ainda faz questão de enfatizar que as técnicas de motivação não fazem milagres. ''Elas servem para que o empregado que já se sente bem dentro da empresa continue motivado. Quem é deprimido por natureza, vai ficar do mesmo jeito''.

Ou seja: quem nasceu para jabuti, nunca vai chegar a galo.

OS EXÓTICOS

Na fauna dos gurus corporativos, não faltam espécies, digamos, exóticas. Há quem acredite que, quanto mais inusitada a embalagem, melhor. Como o paulista Helder Moreira, cuja profissão é viajar pelo País com a palestra ''Lições de Existência de Elvis Presley''.

Sim, ele é um cover do Rei do Rock! E faz analogias entre a trajetória das empresas e o sucesso do cantor (que morreu deprimido e entupido de remédios, mas isso deve ser apenas um detalhe).

Ilusionistas também estão em alta no mercado. Um do mais procurados é o catarinense Dalmir Sant'Anna, que registrou para si o nome-marca ''Palestrante Mágico'' e vende seus truques como ''uma ferramenta diferente e interessante de treinamento e aprendizado''. Não, ele não serra executivos no meio.

Diferente mesmo deve ser a palestra da atriz carioca Narjara Tureta. Ex-estrela mirim da Rede Globo, a filha de Regina Duarte em Malu Mulher caiu no ostracismo quando amadureceu. Acabou virando vendedora de água de côco na praia de Copacabana para sobreviver - e agora tenta a sorte como palestrante motivacional.

Seu colega João Signorelli, também ex-global, é um pouco mais experiente. Há mais de dois anos, veste-se como Ghandi e apresenta em empresas o monólogo ''O Líder Servidor''.

Nessa linha ''paz e amor'', mas com mais profundidade, destaca-se o empresário e consultor Petrúcio Chalegre, de Florianópolis. Com mais de 40 anos de serviços prestados a grandes companhias brasileiras, Chalegre deu uma guinada existencial ao se aproximar do zen budismo. Hoje, atende pelo nome de Monge Genshô e ensina como ''conciliar a prática espiritual com uma atuação ética no mundo corporativo''.

Em direção radicalmente oposta está Paulo Storani, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro (Bope). Sua palestra baseada no filme Tropa de Elite já é um dos maiores hits do momento. Storani compara missões de combate ao crime com metas comerciais e incita a audiência a repetir gritos de guerra. E se alguém não gostar, que peça para sair.

por OMAR GODOY
com fotos de divulgação
maio de 2008

DISTRAÇÕES SOBRE RODAS

O táxi de Rodrigo: "marketing da experiência"


Como diriam os professores da área de négocios, Rodrigo Brustolin é um case a ser estudado. O taxista de 29 anos não fez faculdade, mas, à sua maneira, utiliza ferramentas de marketing e atendimento ao cliente no dia-a-dia.

Andar no carro de Rodrigo é uma experiência (para usar outro termo comum entre os especialistas em business). Equipada com DVD e telas de plasma, a Zafira nova em folha conta com distração audiovisual para todos os gostos. De Bruno & Marrone a Bee Gees, passando por Tim Maia, Só Pra Contrariar e até vídeos de pesca.

Jornais e revistas também estão à disposição dos passageiros, além de uma infinidade de guloseimas. São balas, chicletes, amendoins, biscoitos e salgadinhos oferecidos sem qualquer custo adicional. Fora a atenção e o bom papo do motorista, um apaixonado pelo ofício. "Para mim, isso não é uma profissão. É uma brincadeira", afirma Rodrigo, há 11 anos na praça.

Seu pai, também taxista, queria que ele estudasse mais e seguisse uma carreira diferente - mas os conselhos foram em vão. Rodrigo bateu o pé e se dedicou integralmente ao carro, sempre com um objetivo bem definido em mente: superar-se em termos de inovação. Não à toa, seu próximo investimento é um frigobar, para que os clientes possam beber água gelada durante as corridas.

"Tento pensar como qualquer outro empresário", diz. Mas, por incrível que pareça, nem todos entendem suas intenções. Certa vez, a empresa de radiotáxi ao qual Rodrigo é ligada recebeu uma reclamação de uma passageira indignada. "A moça ficou brava quando ofereci uma bala e pediu para descer ali mesmo. Depois, ligou para a central dizendo que eu insinuei que ela estava com mau hálito", conta. Não há agrado que reverta o mau humor crônico.

por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA RODRIGUES
agosto de 2008

A VIDA SECRETA DOS "COLORIDOS"

Casais liberais contam por que
Curitiba é referência no circuito do swing



Capital disso e daquilo, Curitiba também é considerada referência nacional de um estilo de vida alternativo e invisível: o swing. São três casas noturnas para casais liberais na cidade, que, juntas, atraem cerca de mil pessoas todas as semanas. Muitas delas vêm do interior e de estados vizinhos, e não são raros os grupos que organizam excursões para se divertir por estas bandas.

O segredo por trás dessa fama, quem diria, está nas características mais combatidas do temperamento dos curitibanos. Discretos e formais, os casais locais atraem os ''estrangeiros'' justamente por sua, digamos, serenidade. ''Isso ajuda muito, porque o pessoal de fora sabe que não vai se incomodar depois. O que acontece na casa, fica na casa'', afirmam Ronaldo e Cris, mais conhecidos como Kasal 6969. Eles se encontraram com a reportagem da FOLHA na praça de alimentação de um shopping center.

Swingers, ou ''swingueiros'', há cinco anos, os dois exercem uma espécie de liderança no clube liberal mais conhecido e badalado da cidade - o Desiree, em Santa Felicidade. Simpáticos e bons de papo, tratam do assunto com a naturalidade de quem comenta um hobby qualquer. Não à toa, mantêm contato frequente com outros cem casais, experientes ou não. Uma turma animada em todos os sentidos, que costuma se reunir para festas, churrascos, viagens e até aniversários de crianças.

''A vida muda depois do swing. A nossa rotina era trabalhar, ver novela e dormir. Agora temos uma programação social intensa, com atividade o tempo todo'', diz Ronaldo, 39 anos, que pesava mais de 100 quilos antes de frequentar o clube. Hoje, obriga-se a estar em forma, para não fazer feio entre os swingers.

Para Cris, que tem a mesma idade, as amizades surgidas nesse meio são mais sinceras e menos interesseiras. Aliás, os casais liberais dividem as pessoas em dois grupos: ''colorido'' e ''preto e branco''. ''Com os coloridos a gente pode conversar sobre tudo. Já com os preto e branco (sic) é diferente. É aquele relacionamento frio, de vizinho'', explica.

O Kasal 6969 está junto há 20 anos e não tem filhos (uma exceção em seu círculo de convivência). Livres das obrigações familiares, costumam buscar parceiros também na internet. Ou melhor: parceiras, pois Cris é assumidamente bissexual. A troca de casais propriamente dita, ela afirma, acontece em situações especiais.

O ''bi feminino'', como dizem os praticantes, é uma espécie de porta de entrada para o mundo do swing. Cris, por exemplo, revela que teve inúmeras relações com mulheres antes de se envolver com homens. ''Levou dois anos para isso acontecer'', lembra.

O mesmo vale para Mi, 25, casada com Jef, 27. Em uma conversa a três, pelo viva-voz do telefone celular, ela conta que o marido era muito ciumento. Por isso, as primeiras visitas ao clube serviam apenas para apimentar o relacionamento. Os dois dançavam, olhavam os outros casais em ação e voltavam para casa inspirados. ''Conhecemos o Desiree por curiosidade, levados pela minha irmã e o namorado dela. E nunca mais saímos de lá'', diz.

A exemplo do Kasal 6969, Mi e Jef preferem se identificar como ''profissionais liberais'' (um termo bastante vago, convenhamos). Mas, no geral, os swingers curitibanos são pessoas de classe média ''realmente média''. ''A maioria dos nossos conhecidos mora entre o Portão e o Boqueirão'', afirma Ronaldo.

O swing, definitivamente, não é para os mais pobres. Além das noitadas nos clubes (que não são baratas), há uma série de gastos com eventos e viagens. ''Conheço um casal de Santa Maria (RS) que está sempre por aqui. Eles poderiam ir às casas de Porto Alegre e Camboriú, só que preferem o pessoal de Curitiba'', conta Mi. Cris também cita amigos de Joinville, São Paulo e Brasília que vira e mexe aparecem na cidade.

Questionados se o swing vicia, os casais afirmam que conseguiriam retomar a rotina ''preto e branca'' sem maiores problemas. E garantem: sentiriam mais falta das amizades e da adrenalina envolvida do que do sexo em si. ''A vida ficaria muito chata'', admite Ronaldo. Cris, por sua vez, acredita que um dia vai se cansar de tanto agito. ''Acho que, no futuro, vamos continuar sendo amigos de todo esse pessoal. Mas só para se reunir e lembrar de nossas histórias''.

O FIM DO CIÚME?

Pode parecer contraditório. Mas para o mundo liberal do swing funcionar, é preciso respeitar um certo código de ética. A começar por uma das máximas do meio: ‘‘Não cobice a mulher do próximo a não ser que o próximo esteja muito próximo’’.

Trocando em míudos, é importante que todos os envolvidos estejam cientes da situação. Daí que, para os swingers, os parceiros só se traem quando não há o consentimento mútuo. ‘‘Swing sim, traição não’’ é outro lema dos praticantes, que juram de pés juntos que sempre usam preservativos.

Ter um casamento estável e sólido também está entre os requisitos básicos. ‘‘O swing não é uma tábua de salvação para a relação. Pelo contrário. O casal que está mal normalmente acaba se separando depois de experimentar a troca’’, afirma Camargo, dono do Desiree Club.

E o mais importante: separar sexo e sentimento. ‘‘Minha mulher pode transar com um cara a noite inteira. Se, no final, ela deitar no colo dele e fizer carinho no rosto, o pau vai quebrar’’, diz o empresário.

Cenas de cíume existem, porém são raras e facilmente contornadas. O caso recente do homem assassinado por um marido transtornado, durante uma sessão de swing em Campo Grande, é uma trágica exceção que confirma a regra. ‘‘Eles provavelmente eram inexperientes. Os iniciantes querem ir direto ao ponto, não entendem que é legal conversar com as pessoas, conhecer o meio’’, opina Ronaldo, do Kasal 6969.

Cientista social e mestrando em Antropologia na UFPR, Valtemar Sartorelhi é autor de uma dissertação sobre o universo swinger. Intitulado ‘‘Corpo, Sexualidade e Gênero: Troca de Casais no Cyberespaço’’, o trabalho investiga a busca de parceiros pela internet e discute o conceito de ‘‘trocas simbólicas’’.

‘‘No swing, o que se troca é o corpo do parceiro. Amor e carinho ficam de fora da negociação’’, afirma Sartorelhi. De acordo com ele, há uma confusão entre a troca de casais e o chamado relacionamento aberto. ‘‘São duas coisas diferentes. O casal swinger está junto o tempo todo, ao contrário de quem pratica o relacionamento aberto’’.

Para Sartorelhi, a internet é a responsável pelo boom do swing mundo afora, e não apenas por sua amplitude e caráter agregador. Ao garantir o anonimato, a rede possibilita que os casais experimentem aos poucos o estilo de vida liberal. Em sua pesquisa, o sociólogo identificou uma série de etapas nesse processo, que começa com a fantasia individualizada de um dos parceiros.

O passo seguinte é dividir a fantasia com outro. Depois, vem a fase de imaginar a participação de terceiros durante a relação. Até que a internet entra no jogo, por meio da navegação em sites especializados e do contato via MSN e Orkut (há incontáveis comunidades para swingers no portal de relacionamentos). Encontros são marcados e, se houver ‘‘química’’ entre os casais, a troca pode acontecer – normalmente em outra data.

Ao contrário de outros acadêmicos que se dedicam ao tema, Sartorelhi não acredita que a popularização do swing é fruto da emancipação sexual da mulher. Segundo ele, a troca de casais traz um forte componente machista, travestido de igualdade de direitos. ‘‘Os swingers costumam dizer que as mulheres definem as regras do jogo e controlam tudo. Mas basta analisar os anúncios de casais na internet para constatar que o corpo feminino é usado como objeto dessa propaganda’’, afirma.

A maioria dos anúncios, publicados em portais dedicados exclusivamente ao swing, apresenta somente fotos da mulher. E mesmo os textos priorizam a descrição física e as preferências da parceira. ‘‘Isso faz parte da lógica machista da sociedade, não é uma característica exclusiva do swing’’, completa Sartorelhi.

Os casais, obviamente, discordam. ‘‘Não acho o swing machista nem feminista. A feminilidade é só um cartão de visita, pois a mulher é mais sensual’’, diz Mi, casada com Jef. ‘‘Homem nunca é bonito’’, ironiza Cris, a outra metade do Kasal 6969.

Mas por que apenas o bissexualismo feminino é incentivado? ‘‘O bi masculino não tem muita aceitação. Os clubes inclusive proíbem as relações homossexuais’’, afirma Ronaldo. Ele ainda conta que os homens com esse tipo de tendência raramente se revelam. E quando o fazem, costumam formar turmas separadas. ‘‘Nada contra, só não tenho a mínima vontade de experimentar’’, enfatiza.

"AMOR EU DOU EM CASA"

O ménage à trois, ou simplesmente ménage, é uma constante no mundo do swing. A prática é tão popular que os clubes do gênero permitem, pelo menos uma vez por semana, a entrada de mulheres e homens solteiros. São os chamados ‘‘avulsos’’.

O sexo entre um homem e duas mulheres é bastante comum no meio. Mas há quem prefira inverter os papéis. Como Rodrigo, que revela ter dividido a mulher com mais de 100 avulsos nos últimos dez anos. ‘‘Ela é extremamente ciumenta, nunca deixaria eu ficar com outra’’, diz, por telefone.

O marido, que não é bissexual, admite se excitar com esse tipo de relação. Também conta que, às vezes, a esposa transa com mais de um homem na mesma noite. Ela, no entanto, não quis falar com a reportagem.

O casal tem uma filha e está junto há 13 anos. Ele tem 42 e trabalha com vendas. Ela completou 30 e cuida da casa. Freqüentam o clube Liberty House, mas ficam ‘‘ligados no swing’’, como diz Rodrigo, mesmo quando não estão na casa. ‘‘Você passa a agir de maneira diferente. Vai a uma balada normal e observa as pessoas, conversa, troca telefone para se encontrar depois’’, afirma.

Para ele, a sociedade têm uma visão errada do ‘‘movimento’’. ‘‘As pessoas pensam que a gente chega lá, tira a roupa e sai transando. Não sabem que há toda uma socialização’’. ‘‘O clube é como uma danceteria normal, só que depois de certo horário rolam umas brincadeiras para quebrar o gelo’’, acrescenta.

Como todo swinger, Rodrigo também tem o próprio código de regras, para evitar que os avulsos passem dos limites. E quais são esses limites? ‘‘É o cara achar que a mulher é dele’’, explica. Beijar na boca, por exemplo, está terminantemente proibido. ‘‘Isso é muito pessoal. Amor eu dou em casa’’, justifica.

PRAZER E NEGÓCIOS

Seria injusto afirmar que Curitiba é uma das capitais brasileiras do swing (ao lado de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Camboriú) apenas porque o comportamento polido dos casais locais atrai os adeptos de outros estados. Muito do sucesso da cidade nesse circuito se deve à casa especializada Desiree Swing Club, criada há 11 anos.

Com estrutura de uma boate convencial, o espaço abre três vezes por semana e recebe cerca de 300 pessoas por noite. A divulgação é feita na base do boca-a-boca e pela internet, em um portal que também hospeda anúncios de casais associados.

O dono, que pede para ser identificado como Camargo, é um empresário veterano da noite curitibana. Comandou uma danceteria ‘‘normal’’ e foi um dos primeiros na cidade a promover festas no estilo Clube das Mulheres. Swinger de carteirinha, organizava jantares informais para casais por puro gosto. Mas enquanto os encontros ganhavam novos interessados, sua paciência para os clientes da boate se esgotava. ‘‘Até o dia em que fiquei de saco daquela piazada e resolvi abrir meu próprio clube para casais’’, conta.

Ele afirma que o Desiree cresceu junto com o movimento do swing no Brasil. Inicialmente freqüentada por 30 casais, a casa ganhou tanto público que teve de se mudar para um lugar maior, fora do Centro. Atualmente funciona num casarão construído em uma espécie de chácara, no bairro de Santa Felicidade. Há também uma ‘‘franquia’’ londrinense, que Camargo admite acompanhar somente de longe.

A cidade ainda conta com outros dois clubes, igualmente fundados por swingers: Pepper (no Rebouças) e Liberty House (no Parolin). Este último teve a participação de Camargo em sua criação, mas hoje os dois empresários são inimigos mortais – por motivos que fogem ao objetivo da reportagem.

Para o dono do Desiree, a casa rival não possui boa estrutura e, por cobrar mais barato, atrai ‘‘gente de baixo nível’’. Segundo ele, quem quer ver pessoas jovens e bonitas deve ir ao seu clube. Já o administrador do Liberty, Júnior, sequer considera Camargo um concorrente. ‘‘Não questiono a estrutura e o resultado financeiro do Desiree. Mas aquilo lá virou apenas uma balada liberal para curiosos. A verdadeira essência do swing está aqui’’.

Alheio ao ‘‘debate’’, o proprietário do Pepper se limita a falar sobre o diferencial de seu espaço. ‘‘Nosso sistema é de barzinho, e não de balada. Até o som é mais baixo, para o pessoal poder conversar com calma’’.

O empresário, no entanto, não dispensa uma alfinetada na concorrência. ‘‘Swing não é para jovem. É para casal que está junto há mais de dez anos e quer sair da rotina. Se você vir muitos jovens num clube, é porque alguma coisa está errada’’.

Rixas à parte, o fato é que os empreendedores do ramo já presenciaram muitas extravagâncias ao longo dos anos – a maioria impublicável. ‘‘Quantos cadernos você tem aí para anotar?’’, diverte-se Júnior. Entre outras histórias, ele recorda a de um casal cuja esposa decidiu bater seu recorde pessoal de parceiros numa só noite.

A façanha foi realizada durante uma festa organizada especialmente para a dupla. Para a alegria geral, deu tudo certo: no fim da jornada, a mulher contabilizou relações com 34 homens. ‘‘Um mês depois, eles foram para Brasília e ela bateu outro recorde. Transou com 41 caras’’, arremata Júnior.

Camargo também tem seu ‘‘causo’’ clássico, protagonizado por um casal à primeira vista inexperiente. Segundo o empresário, os dois vestiam roupas ‘‘certinhas’’ e pareciam constrangidos diante dos strippers que circulavam pelo clube para animar o ambiente. No meio da noite, porém, desapareceram.

Preocupado, o dono do clube foi atrás e os encontrou em meio a uma tremenda orgia, que seguiu até o dia amanhecer. Detalhe: o sujeito só olhava a mulher se divertir. E quando todos se diziam exaustos e loucos para ir descansar em casa, o casal surpreendeu outra vez. ‘‘Eles contaram que dali iriam direto para o cartório, onde se casariam no civil’’. Taí um novo conceito de despedida de solteiro.

VER PARA CRER

Antes de marcar qualquer entrevista para esta matéria, era preciso conferir de perto o que realmente acontece em uma casa para casais liberais. Sem revelar que se tratava de uma reportagem, claro. E foi isso que fiz, acompanhado da repórter da FOLHA Carolina Gabardo Belo.

Só havia um cuidado a ser tomado: não deixar transparecer que éramos apenas colegas. Afinal, casais ‘‘montados’’, como se diz na gíria dos swingers, podem ser expulsos dos clubes se descobertos. Definida uma estratégia para evitar um possível vexame, partimos de táxi para o Desiree Swing Club, nos confins de Santa Felicidade.

Chovia muito naquela noite de sexta-feira, e o motorista foi sincero quando soube o destino da corrida. ‘‘Se o jornal não tivesse convênio com a nossa cooperativa, eu não levaria vocês. Lá é muito escuro e perigoso’’. Mas o caminho não ofereceu grandes dificuldades, apesar de incluir a passagem por uma ponte de madeira e um trecho de terra. Em menos de meia hora, estávamos lá. O taxista, mais aliviado, aceitou nos pegar no fim da noite.

O terreno, iluminado por tochas, revelava um casarão e um amplo espaço para carros – de todos os tipos e marcas. Na porta do clube, um batalhão de seguranças revistava os casais. Confirmamos nossa reserva (feita por telefone no dia anterior) e logo recebemos a primeira orientação, na verdade uma ‘‘palavra amiga’’. ‘‘Ninguém aqui é obrigado a fazer o que não quer’’, disse um sujeito com pinta de guarda-costas, porém bonachão.

Em seguida, um rapaz nos levou para um tour pelo local. Primeiro, mostrou a pista de dança, o bar e um balcão com pratos, talheres e vasilhas. Era o bufê de sopas, cortesia da casa naquela noite. Também passamos por uma lojinha que vende trajes sensuais e, para nossa surpresa, peças comuns. ‘‘Tem gente que perde a roupa por aí e não pode voltar para casa pelado’’, explica uma funcionária.

Chegamos então às áreas reservadas para as ‘‘brincadeiras’’ entre casais. A saber: dark room (o recinto totalmente escuro onde ninguém é de ninguém), cabines compartilhadas, quartos privativos (pagos à parte) e aquário (uma espécie de vitrine do sexo). Mas nada se compara ao salão localizado nos fundos do clube, equipado com uma cama enorme.

Ali, dezenas de pessoas podem se embolar ao mesmo tempo, enquanto outras tantas observam em silêncio – uma placa na parede pede que os presentes evitem ‘‘conversas e risadas desnecessárias’’. Aliás, sinais com avisos e normas de conduta estão espalhados por todo o clube, bem como rolos de papel-toalha.

De volta ao espaço central, ocupamos uma mesa em frente à pista de dança, embalada por hits de FM. Os casais vão chegando e é impossível definir a média de idade predominante. Há desde jovens de 20 e poucos anos até gente mais madura, na faixa dos 50.

Por volta da meia-noite, o lugar já está cheio. As garçonetes, enfeitadas com orelhas de coelhinho, correm para dar conta de tantos pedidos. O clima inicial é o de uma balada convencional, não fosse a presença de strippers de ambos e sexos. Alguns casais, certamente ‘‘habitués’’ da casa, cumprimentam os dançarinos como se fossem velhos amigos. À medida em que o álcool sobe à cabeça, as pessoas vão se revelando.

Na mesa ao lado, por exemplo, uma esposa se transforma depois de tirar o blazer pesado e escuro. De salto alto, usando apenas sutiã, calcinha e uma micro-saia (praticamente uma faixa na cintura), ela inicia uma dança do poste digna de profissionais. O marido só fica olhando, imóvel, com um cigarro na boca. Levanta-se apenas para buscar mais bebida para a mulher, que ostenta uma aliança grossa e brilhante.

Lá por 1h30, o DJ toca uma música lenta e anuncia que o ‘‘jogo do relógio’’ vai começar. Vários casais formam um círculo em volta da pista, enquanto todas as luzes são apagadas. Quando acendem, por um instante, é hora de trocar de parceiro. Algumas duplas somente dançam. Outras partem para carícias mais ousadas.

Terminado o aquecimento, os corredores das áreas reservadas pegam fogo. É gente para lá e para cá, porém ninguém pode andar desacompanhado (dias depois, quando revelei ao dono do Desiree que estive lá, ele afirmou que nos safamos de uma expulsão justamente porque ficamos juntos o tempo todo).

Como prevíamos, a sala do ‘‘camão’’, como é chamada, está lotada. São vários grupos amontoados, e é difícil saber quantas pessoas participam de cada um deles. Não demora muito e um forte odor toma conta do recinto. É hora de chamar o táxi. A conta fica em R$ 80 – R$ 60 só do valor da entrada para o casal.

No carro, comentamos nossas impressões finais e chegamos à mesma conclusão: o que vimos na casa não nos chocou, tampouco excitou. Fomos envolvidos em uma atmosfera de tanta naturalidade que mesmo a visão do sexo grupal ao vivo e em cores se tornou banal. Estava dado o primeiro passo para a compreensão do mundo swinger.

por OMAR GODOY
com colaboração de CAROLINA GABARDO BELO
e reprodução de O Bacanal, de TIZIANO
novembro de 2008

EXTREMOS DO RÁDIO

Gláucio Pozzo: trabalho de dia, diversão à noite


Durante o dia, o radialista Gláucio Pozzo, 35 anos, trabalha na Lúmen FM - emissora direcionada a um público adulto e de gosto sofisticado. Entre outras tarefas, ele produz e apresenta o programa Alma Brasileira, que enfoca a nata da MPB.

Terminado o expediente, Gláucio volta para casa, descansa um pouco e entra no carro novamente. É que, a partir das 20 horas, ele comanda A Noite É Nossa, na Clube FM, uma jornada que se estende até à 1 da manhã.

As duas emissoras integram o mesmo grupo de comunicação e seus estúdios são divididos apenas por uma parede. Mas, ao contrário da Lúmen, a Clube tem vocação extremamente popular, e baseia sua programação nos grandes sucessos da música sertaneja.

Para fazer essa transição, o locutor encarna um personagem, inclusive adotando outro tom de voz. ''Viro o amigão da noite'', conta Gláucio, verdadeiro faz-tudo do programa. Além de apresentar e operar os equipamentos, ele recebe mensagens da audiência e produz quadros como Clube da Amizade e Informação com Descontração.

O primeiro promove encontros entre os ouvintes, que têm seus dados divulgados no ar e ficam à espera de contatos telefônicos. Já o segundo conta com um slogan didático: ''O que acontece de mais estranho, engraçado e diferente mundo afora''. Como se pode imaginar, o quadro traz notícias como ''Mulher casa com cobra na índia'' e ''China quer produzir vinho feito de peixe'', entre outras bizarrices bem-humoradas.

Gláucio foi criado em Curitibanos (SC), onde o pai é diretor de uma rádio. Seus dois irmãos e um primo também são comunicadores, o que praticamente forçou sua entrada nos estúdios. Aos 12 anos, ele já operava a mesa de som. E não demorou muito para que a cidade ficasse ''pequena demais'' para os seus objetivos.

Em 1993, o locutor chegou a Curitiba para atuar na extinta Studio 96. Ainda passou pelas emissoras 98 e Caiobá antes de iniciar a dobradinha Clube-Lúmen, em 2005.

Como se não bastasse a ''vida dupla'' no ar, Gláucio ainda empresta a voz para produtoras de comerciais e outros serviços avulsos. Mas não reclama da correria. Afinal, o rádio é mesmo uma cachaça, como se diz no meio. ''Na Lúmen eu trabalho, e na Clube me divirto'', afirma o radialista dos extremos.

por OMAR GODOY
com foto de THEO MARQUES
outubro de 2008

EM NOME DE "PAPAI"

Fiéis do Ministério Crescendo em Graça
cultuam o número 666 e acreditam que
seu líder é a reencarnação de Jesus Cristo


Membros exibem, orgulhosos, tatuagens com o número 666


Os cultos são transmitidos ao vivo, pela internet, a partir dos EUA


João Pierozan: bebida, cigarro e festa.


00000000000000000 Dona Landa: "Nunca mais senti tristeza"

Criança, ou "super-raça", recebe mensagem em outra sala


Na sobreloja de uma oficina mecânica, no bairro do Rebouças, funciona um centro educativo do Ministério Internacional Crescendo em Graça. Inaugurado há quatro meses, é o primeiro de Curitiba e um dos mais de 30 espalhados pelo País. Ali, cerca de 50 pessoas se reúnem, duas vezes por semana, para ouvir as palavras de seu guia, o porto-riquenho José Luis de Jesús Miranda.

Miranda, 62 anos, não é apenas o líder dessa denominação evangélica fundada em 1986 e que já conta com 355 centros em 30 países. Seus seguidores o consideram a reencarnação de Cristo, o novo mediador entre Deus e os homens. ‘‘Jesus Cristo Homem’’, ‘‘O Desejado das Nações’’, ‘‘Juiz de Todos’’, ‘‘Deus dos Deuses’’ e ‘‘Papai’’ são apenas alguns dos nomes pelos quais ele é tratado.

Sua principal mensagem é bem clara: Jesus de Nazaré, o da primeira vinda, sacrificou-se na cruz para destruir o diabo e erradicar o pecado da face da Terra. Sendo assim, todos os indíviduos estão automaticamente salvos. E devem desfrutar a vida sem medo e culpa, pois Deus não se preocupa com a carne, só com o espírito.

‘‘Salvo sempre salvo’’ é um dos lemas do ministério, que não estabelece qualquer tipo de proibição aos fiéis. Eles podem beber, fumar, dançar e até manter relações homossexuais. Aliás, é cada vez mais comum encontrar membros de Crescendo em Graça divulgando a palavra de Papai nas paradas gay que acontecem Brasil afora.

Para reconhecê-los, basta prestar atenção em suas tatuagens. Quase sempre à mostra, trazem a inscrição 666, também exposta em cartazes e materiais impressos. Mas não se trata de uma referência satanista. Baseando-se em interpretações controversas da Bíblia, os fiéis acreditam estar diante de um símbolo de prosperidade e sabedoria.

Em frente à oficina, uma jovem maquiada, com roupas curtas e decotadas, recepciona a reportagem. Impossível não perceber o número 666 estampado em seu ombro. ‘‘Melhor noite, abençoados’’, diz, numa forma de saudação comum entre os fiéis. Ela se identifica como Luana, filha do responsável pelo centro, Joanísio Araújo.

Enquanto subimos a escada para a sobreloja, a moça lamenta a chuva que cai sobre Curitiba naquela noite de sexta-feira. Mas afirma, ou supõe, que ao menos 20 pessoas participarão da reunião. Em seguida, somos recebidos por Joanísio, cujo visual inclui terno, gravata e um brinco na orelha esquerda.

Empresário do ramo de informática, ele é o ‘‘colaborador’’ de Crescendo em Graça na cidade. Porque, segundo a Bíblia, existe somente um pastor – e este, claro, é José Luis de Jesús Miranda. Por conta disso, não há pregadores no ministério.

Os cultos são transmitidos ao vivo, via satélite e internet, a partir de Miami (EUA), onde funciona a sede mundial. De lá, o próprio Jesus Cristo Homem fala semanalmente para os 355 centros educativos espalhados pelas américas e a Europa.

Os ‘‘abençoados’’ e ‘‘abençoadas’’ vão chegando e Luana corre para uma saleta ao fundo do auditório improvisado. Aciona o telão e logo todos estão acompanhando uma banda em um tema cantado em espanhol, que celebra as glórias do Juiz de Todos.

A euforia dura pouco, pois problemas técnicos derrubam a conexão com Miami. Joanísio, de pé em frente a um púlpito, pede desculpas e avisa que assistiremos a um DVD. É o registro da última passagem de Papai pelo Peru.

Quando o líder aparece, a comoção é geral. Os fiéis apontam para a tela, batem palmas, assobiam e gritam como se estivessem em um estádio de futebol. Antes que ele comece a falar, porém, o colaborador anuncia: ‘‘A super-raça, por favor, dirija-se à sala ao lado’’.

Super-raça são as crianças de Crescendo em Graça, as primeiras criadas sem a noção de pecado. Elas participam do encontro em um local separado, onde uma espécie de professora ‘‘traduz’’ as mensagens do Deus dos Deuses para a linguagem infantil. Naquela noite, apenas um menino foi ao centro, acompanhado do tio e da avó – e recebeu orientações da filha caçula de Joanísio.

O vídeo começa com ataques ao Vaticano, um dos alvos preferidos de Miranda. Não à toa, cinco países predominantemente católicos da América Central já proibiram sua entrada. Quando ele diz que os padres são ‘‘pedófilos em potencial’’, a audiência se manifesta com mais gritos de incentivo. De resto, a pregação é um falatório sobre como os outros cristãos estão 2.000 anos atrasados por seguirem Jesus de Nazaré.

As atenções são desviadas duas vezes. Primeiro, para o recolhimento dos dízimos e ofertas. Depois, quando chega a hora da confissão – o momento catártico em que os membros falam em voz alta sobre suas questões pessoais.

Encerrado o culto audiovisual, Joanísio lembra que sábado é dia de evangelismo. Às 14 horas, o grupo vai se encontrar no terminal da Vila Hauer, para divulgar ‘‘a palavra’’ pelas redondezas. No domingo, o centro exibe reprises de vídeos antigos.

Recados dados, os cerca de 20 presentes começam a se abraçar calorosamente. Repórter e fotógrafo não são poupados dos carinhos. No corredor, um detalhe nas portas dos banheiros chama a atenção. Em vez de ‘‘Masculino’’ e ‘‘Feminino’’ (ou algo que o valha), lê-se ‘‘Abençoado’’ e ‘‘Abençoada’’.

Já de saída, pergunto a um do fiéis se um dia o ministério crescerá a ponto de rivalizar com a Igreja Universal do Reino de Deus. ‘‘A Universal não é nada perto do que vai ser o governo de Papai sobre a Terra’’, garante, sem um pingo de dúvida, o abençoado.

PALAVRA DE ABENÇOADO

Mais conhecida como Landa, a dona de casa Orlandina Soares, 56 anos, orgulha-se de ser uma das primeiras fiéis do ministério Crescendo em Graça em Curitiba.

Com passagens por diversas outras denominações evangélicas, ela conta que conheceu a palavra de ‘‘Papai’’ há 14 anos, por meio de conhecidos. ‘‘Nunca mais senti tristeza, porque Jesus deixou tudo pronto quando morreu. Só existe o bem’’, afirma.

Antes da inaguração do centro educativo, ela conta, as reuniões eram realizadas em auditórios de hotéis. Agora, Landa é responsável por vender CDs e DVDs em uma banquinha montada no salão (cada unidade custa R$ 5). ‘‘É para quem perdeu algum encontro’’, explica.

Apesar de ter apenas 19 anos, Luana Araújo, filha do colaborador Joanísio, é outra veterana do grupo. ‘‘Fui criada dentro do ministério’’, diz a moça. Seu pai, ex-membro da Igreja Metodista, encantou-se com os ensinamentos de José Luis de Jesús Miranda há cerca de oito anos, quando ela e a irmã mais nova ainda eram crianças. De lá para cá, a família só fez aumentar sua crença no Jesus Cristo Homem.

Luana admite que suas tatuagens assustam quem não a conhece direito, mas garante que jamais se arrependerá delas. ‘‘Uma vez que o véu é retirado, não se volta atrás’’, afirma a moça, que atualmente estuda para ingressar na Polícia Militar.

A julgar pelo que dizem os fiéis, o grande atrativo de Crescendo em Graça é a possibilidade de levar uma vida sem culpa. ‘‘Eu não concordava com esse negócio de pecar e pedir perdão, pecar de novo e pedir perdão. Achava isso uma hipocrisia’’, diz João Pierozan, 44, formado no catolicismo.

Técnico de uma fábrica de móveis, ele participa do ministério desde 1996. E não tem problemas em dizer que fuma, bebe, sai para dançar, etc. Tudo com moderação e noção das conseqüências. ‘‘O que você plantar, vai colher’’, esclarece.

Mas daí a acreditar que Cristo tem casa em Miami não é um grande salto? ‘‘As evidências estão na Bíblia. Em Hebreus, por exemplo, está escrito que ele aparecerá pela segunda vez sem pecado, exatamente como prega José Luis de Jesús Miranda’’, afirma Luana. ‘‘Ele mesmo diz que foi difícil se aceitar como Jesus Cristo Homem’’, completa Joanísio.

A professora Cibele (nome fictício), 30, freqüenta as reuniões há quatro anos. Homossexual assumida, ela garante que não ingressou no ministério apenas pelo fato de ter sua orientação aceita pelos demais.

‘‘Se Jesus se sacrificou por nós, por que tudo continua igual no mundo? Era isso que eu não entendia no catolicismo e no espiritismo’’, explica.

Cibele tem uma nova namorada, que respeita sua crença e não se assustou com a tatuagem inusitada. ‘‘Quem teve medo foi o próprio tatuador. Por pouco ele se recusou a fazer’’, revela.

"MARKETING ANGELICAL"

O telefone toca dez minutos antes do horário marcado. ‘‘Melhor dia, abençoado. Você já está pronto para conversar com o Bispo Kele?’’, pergunta Riane, assessora de imprensa do ministério Crescendo em Graça no Brasil.

O carioca Pedro Kele, um ex-bancário de 50 anos, é o principal representante de José Luis de Jesús Miranda no País. Tem status de bispo e coordena um rebanho de mais de 10 mil fiéis em todo o território nacional.

Não se sabe ao certo o tamanho do patrimônio brasileiro do grupo, mas sua estrutura inclui programas e emissoras de rádio, sites, publicações semanais, edifícios e uma infinidade de equipamentos de áudio e vídeo.

Quem informa é o próprio Kele, simpático e solícito como todos os outros membros do ministério. ‘‘No momento, temos o sonho, o desejo ardente de produzir um programa de tevê em nível nacional’’, afirma, de seu escritório no Rio de Janeiro. Por enquanto, apenas algumas cidades captam, via antena parabólica, o sinal da TeleGracia, o canal por satélite de Crescendo em Graça.

Egresso da Igreja Congregacional Pentecostal, Kele segue os ensinamentos de Miranda há nove anos. Ele admite que teve uma ‘‘experiência muito forte’’ com Jesus de Nazaré, porém mudou sua maneira de ver o mundo após compreender que não existe mais pecado.

‘‘Eu via as outras pessoas alegres e felizes jogando bola, indo à praia, tomando cerveja... Só que os meus antigos pastores condenavam tudo isso, sendo que eles eram os primeiros a transgredir as normas quando saíam da igreja’’, diz.

Sobre a crença de que Miranda é a segunda vinda de Deus, Kele é enfático.‘‘Não foi ele que se auto-intitulou assim. Com o tempo, a própria comunidade o reconheceu dessa forma, baseada em evidência bíblicas’’. E cita uma epístola do apóstolo Paulo: ‘‘Está em Tessalonicenses que o Senhor virá assim como um ladrão na noite. Ou seja, na forma menos esperada’’.

De acordo com o bispo, a verdade sobre o número 666 também se encontra na Bíblia. Entre as referências, está a de que Salomão, o homem mais sábio e rico de seu tempo, cobrava impostos anuais de 666 talentos de ouro. ‘‘Por que não 600 ou 700?’’, questiona.

Comento que o culto ao número acabou se tornando uma forma de marketing, ou anti-marketing, pois atrai as atenções para o ministério. Kele concorda. ‘‘Eu diria que é um marketing angelical. Isso saiu como uma flecha pelo mundo e ajudou a nos divulgar, pois qualquer pessoa conhece o número 666’’.

Por fim, menciono artigos publicados em sites e revistas do meio cristão que consideram o ministério uma ‘‘seita apocalíptica’’ e temem um suicídio coletivo liderado por Miranda. Kele dá uma risada e diz que não há o menor risco de acontecer uma tragédia. ‘‘Simplesmente porque isso não está Bíblia’’, afirma.

Ministério Crescendo em Graça no Brasil

por OMAR GODOY
com fotos de THEO MARQUES
outubro de 2008

DEUSES DO AMOR

Cresce a procura por cursos
de artes sensuais para homens

Carlos Kadosh, ‘‘orientador sexual’’: aulas de pompoarismo masculino

Andreia e Fernanda, sócias da escola Joanah Pink


Há oito anos, o professor de História Carlos Oliveira teve um encontro que mudou sua vida para sempre. Durante um curso de Memorização, ele conheceu Celine Imaguire, 14 anos mais velha e especialista numa área no mínimo peculiar: o mundo das artes sensuais.

Carlos, um fã da literatura erótica, logo se afinou com Celine, instrutora do curso Deusa do Amor, sobre auto-estima e sensualidade para mulheres. A ‘‘ementa’’? Sexo tântrico, Kama Sutra, massagens, hiperorgasmo, pompoarismo, dicas de sedução...

Não demorou muito e o professor virou uma espécie de modelo das aulas, ajudando a ilustrar as posições ensinadas pela namorada. O passo seguinte não poderia ser outro – criar um curso semelhante, porém voltado para homens.

Após fazer uma pós-graduação em Orientação Sexual numa faculdade de São Paulo, Carlos se viu apto para seguir o caminho de Celine. Antes, porém, trocou o sobrenome Oliveira por Kadosh (‘‘sagrado’’ em hebreu), ‘‘para não ficar tão comum’’. Hoje, aos 34 anos, ele percorre o país ajudando alunos a se aperfeiçoar sexualmente.

Cursos de artes sensuais não são uma novidade entre as mulheres. Vira e mexe o tema volta à baila, como aconteceu com o recente fenômeno da ‘‘dança do poste’’, impulsionado pela novela Duas Caras. Mas aulas exclusivas para homens ainda são pouco conhecidas e divulgadas.

Kadosh conta que conseguiu formar apenas quatro turmas nos últimos oito anos. Seus alunos preferem ser atendidos individualmente, para evitar constrangimentos e sanar dúvidas específicas.

E se engana quem pensa que o perfil do público se baseia em homens com dificuldades sexuais. Quem o procura está feliz com seu desempenho na cama, porém quer turbiná-lo. ‘‘Sou um orientador, não um terapeuta. Não prometo curas’’, faz questão de deixar claro.

Ao contrário das mulheres que se matriculam na Deusa do Amor, os alunos de Kadosh não querem aprender a seduzir ou criar climas eróticos. Em 90% dos casos, o negócio deles é explorar o pompoarismo masculino – um conjunto de técnicas e exercícios voltados para a contração dos músculos eretores do pênis.

‘‘A média da ereção no Ocidente é de 90 graus. Com esses exercícios, de origem oriental, é possível chegar a 120 graus, na altura do umbigo’’, explica, com uma caneta na mão, o ‘‘orientador’’.

Mas nem tudo se resolve com o pompoarismo. Para Kadosh, o problema dos homens é não se colocar racionalmente durante a relação sexual. ‘‘O sujeito pode até ser romântico na hora das preliminares. Só que, no ato em si, ele age de forma primitiva e acaba com tudo muito rápido. Isso é uma armadilha da natureza, para a gente se multiplicar’’.

Kadosh é adepto do tantrismo, cujos ensinamentos dão conta de que é possível alcançar saúde, prosperidade e longevidade pela via do sexo. O segredo, segundo ele, está na transmutação do vigor sexual em outros tipos de energia. Para isso, é preciso ser mais cerebral e menos impulsivo na hora H.

Outros fatores que comprometem a performance na cama são a má alimentação, o tabagismo e o alcoolismo. ‘‘Como bacias de frutas todos os dias. Nos palácios dos sultões, há frutas por todos os lados. Elas têm energia vital’’, diz o professor.

Quanto aos exercícios físicos, melhor tomar cuidado. ‘‘Não recomendo a bicicleta, pois puxa a musculatura para baixo. O ideal é pular corda’’, afirma.

Juntos, Carlos Kadosh e Celine Imaguire comandam uma espécie de holding erótica. Além das aulas (no valor de R$ 60 por hora), editam livros sobre sexualidade e mantêm um laboratório de produtos naturais. Nada mal para quem lecionava em um curso supletivo para funcionários dos Correios.

Ainda assim, ele continua ajudando a mulher nas aulas para as turmas femininas. Sem a menor cerimônia, passa horas de roupão ou sunga diante de dezenas de alunas. ‘‘Não tenho o menor problema com isso. Para falar a verdade, é o que mais gosto de fazer’’, confessa o dublê de instrutor e modelo.

Se existe mesmo a tão discutida crise do macho contemporâneo, ela, definitivamente, não passa por ali.

PAI, MÃE E FILHO

''O pessoal acha que é só sacanagem, mas o que eu aprendi nas aulas funciona mesmo'', garante Roberto (nome fictício), 51 anos, ex-aluno do professor Carlos Kadosh.

Em 2004, o comerciante e a mulher fizeram, separados, os cursos de Kadosh e Celine Imaguire. Gostaram tanto que, meses depois, matricularam-se em uma aula de grupo. E levaram o filho junto. ''Na época, ele tinha 18 anos. Aprendeu tudo o que eu gostaria de ter aprendido quando era jovem e não tive oportunidade'', diz.

Roberto ainda conta que, após as palestras, continuou fazendo os exercícios de pompoarismo recomendados pelo instrutor. Hoje, considera-se um homem ''multiorgasmático''. ''Mas não adianta nada se apenas um dos parceiros aprender as técnicas'', adverte.

Paulo, 37, é um calouro nas artes sensuais. Teve aulas com Kadosh há apenas duas semanas, porém está animado para colocar as lições em prática. Ele confessa que enfrenta um momento atribulado no casamento, e por isso resolveu procurar apoio.

''Os homens acreditam que já nasceram sabendo de tudo. Mas sempre é possível melhorar, e acho que estou no caminho'', afirma.

''A SOMBRA DO RICARDÃO''

Carlos Kadosh também atua, como palestrante convidado, na escola Joanah Pink, no bairro Bom Retiro. Trata-se de um ''Centro Integrado da Mulher'' que oferece, entre outros serviços, workshops de iniciação às artes sensuais. Inicialmente voltado para o público feminino, o espaço tem sido cada vez mais procurado por homens.

São três cursos direcionados para eles: Do que Elas Gostam, Como Enlouquecer uma Mulher na Cama e MBA - Muito Bom no Assunto. Este último, mais completo, ensina desde técnicas para beijar melhor a exercícios de pompoarismo masculino.

''Criamos todo um clima para quebrar a resistência dos homens'', diz Andreia Berté, sócia e palestrante do centro. Ela conta que até a decoração do lugar é mudada para receber os alunos. ''Montamos um bar aqui dentro, onde eles são recebidos com cerveja e aperitivos. Além disso, toda a equipe se veste com roupas masculinas''.

A maioria procura os cursos por sugestão das parceiras, que já ''estudaram'' na escola e também querem ser agradadas na cama. Superada a desconfiança inicial, os marmanjos se soltam e tiram todas as dúvidas possíveis. ''Eles perguntam tudo, até onde fica 'o tal do clitóris''', diz Andreia.

Ela e sua sócia, Fernanda Pauliv, são publicitárias e trabalhavam na mesma agência antes de criar o centro, há seis anos. Desde então, não param de ver a clientela crescer.

''Acho que as mulheres se perderam quando começaram a disputar vagas no mercado de trabalho. Dedicaram-se mais à vida profissional e deixaram os maridos um pouco de lado. Agora, tentam resgatar sua feminilidade, sua delicadeza'', afirma Andreia.

Mas e os homens? Por que precisam desse tipo de aula? ''Eles estão vendo suas mulheres aprenderem tantas coisas novas que não querem ficar para trás. É a sombra do Ricardão'', brinca.

Deusa do Amor
Joanah Pink

por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA (Kadosh)
e material de divulgação (sócias)
agosto de 2008

GAROTAS DIABÓLICAS

As Diabatz: ''vida nova'' com o psychobilly


Membros de uma tribo pequena, porém fidelíssima, os adeptos do psychobilly seguem conquistando novos seguidores em Curitiba. Inclusive garotas, que também fazem questão de adotar o visual extravagante da turma - inspirado nos roqueiros dos anos 50, nos punks e em filmes de terror classe B. Entre elas, destaca-se o trio As Diabatz, provavelmente a primeira banda feminina do gênero no país.

Juntas desde o fim de 2006, Carolina Salmazo (voz e guitarra, 19 anos), Cláudia Smith (baixo acústico, 24) e Ana Cláudia Marques (bateria, 20) já surgiram fazendo barulho. E não apenas nos palcos. Sua página no site MySpace chamou a atenção da gringolândia e não demorou muito para que elas recebessem o primeiro convite para tocar no exterior.

O show aconteceu em um dos maiores festivais de psychobilly do mundo, realizado na Espanha, em uma praia perto de Barcelona. Antes, as meninas estiveram em Roterdã (Holanda), onde gravaram as faixas de seu primeiro álbum. O disco está pronto, e agora o grupo negocia um contrato de distribuição com uma gravadora internacional. Nada mal para quem só havia tocado em Curitiba, Maringá e Londrina.

O gosto pelo psychobilly, elas contam, vem do caráter apolítico do movimento. Inicialmente envolvidas com a cena punk, as garotas trocaram a contestação pela diversão. ''No psychobilly você pode ter a opinião que quiser sobre as coisas. Ninguém vai discutir se não concorda'', diz Cláudia, mulher de Coxinha, um dos músicos mais versáteis da cidade.

Cláudia se formou em Pedagogia, mas hoje se dedica integralmente à banda. Ana é designer. E Carolina se vira como professora de inglês e garçonete de um café. No caso dela, é preciso estar ''à paisana'' para não chocar os clientes. ''As pessoas estranham muito as tatuagens e o cabelo raspado com topete. Na faculdade pensavam que eu tinha câncer'', lembra Cláudia.

Elas afirmam que o psychobilly mudou suas vidas, e agora não conseguem namorar alguém de fora do meio. ''Imagina ficar com um cara que curte MPB ou funk'', brinca a baixista. ''A gente conversa muito sobre música, seria impossível conviver com um namorado que não goste das mesmas coisas ou não entenda nosso visual'', diz Carolina.

Enquanto o CD de estréia e a primeira turnê internacional não viram realidade, As Diabatz seguem se apresentando por aqui mesmo. Na próxima quinta, tocam pela primeira vez em São Paulo. Para ouvir quatro faixas das meninas, acesse o MySpace da banda.

por OMAR GODOY
com foto de DIEGO SINGH
outubro de 2008

CANAL BABEL

Diversidade radical é o combustível
da TV Comunitária, há 10 anos no ar

Produtores do Super Show tiram dinheiro do bolso para pagar o programa

Tânia Mara Gross: leitura do tarô cigano ao vivo

Lauda, do Quarta Dimensão, é um dos mais antigos do canal


Responda rápido. Onde convivem, juntos, socialites, roqueiros, místicos, políticos, pregadores e calouros, entre outras figuras? Acertou quem disse que todos eles se encontram nos canais 5 da NET e 72 da TVA. Ou melhor: na CWB TV, novo nome da TV Comunitária de Curitiba, que acaba de completar 10 anos de fundação.

Atualmente, 53 atrações compõem a grade de programação do canal, disponível para consulta no site www.tvcomunitaria.org. Há de tudo um pouco, e os programas nem sempre são exibidos em blocos temáticos. O Espiritismo na TV antecede o Estilo & Glamour. Depois do Blindagem (capitaneado pela banda de rock homônima) vem o Presença e Harmonia. A astrologia do Quarta Dimensão dá lugar ao Ego, sobre estética e beleza. E por aí vai, numa salada que também inclui economia, política, negócios e assuntos de cunho social.

Por lei, as operadoras de televisão por assinatura são obrigadas a ceder um canal para a comunidade local. O Brasil já conta com 80 tevês do gênero, com destaque para a de São Paulo e seus mais de 100 programas. Ainda assim, é um número pequeno se comparado ao de países como o Canadá, com quatro mil emissoras comunitárias.

Nestas bandas, o espaço é gerido pela Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário em Curitiba e Região Metropolitana. Um grupo para lá de heterogêneo, que reúne cerca de 50 entidades como o Núcleo de Pesquisas Ufológicas, a Sociedade Espírita Mensageiros das Paz, a Associação de Cultura de Rua Hip-Hop, o Sindicato dos Servidores Públicos de Agricultura e Meio Ambiente e a Igreja Quadrangular. Todas sem fins lucrativos e, pelo menos em tese, não ligadas diretamente a partidos políticos.

Os associados pagam uma mensalidade de R$ 35, têm poder de voto nas assembléias e gastam menos para gravar e exibir seus conteúdos. A taxa de produção é de R$ 90 para atrações de 30 minutos. A de veiculação, R$ 2,50 o minuto. Mas apenas 30% dos programas da CWB TV, associados ou não, utilizam os estúdios do canal. O restante entrega as fitas prontas para serem colocadas no ar.

Com um custo mensal que beira os R$ 20 mil, a tevê não recebe verbas públicas e funciona numa casa cedida pela Pastoral da Criança. O staff é formado por seis profissionais contratados e ‘‘muitos estagiários’’, como explica o diretor de programação, Rafael Cury. Mais conhecido por sua atuação como ufólogo, ele ingressou na associação a convite dos amigos Wilson Picler (dono do grupo educacional Uninter) e Jorge Bernardi (vereador pelo PDT) – hoje presidente e secretário do canal, respectivamente. Pegou gosto pela coisa e não largou mais.

Cury explica que a recente mudança de nome para CWB TV faz parte de uma estratégia para melhorar a divulgação do canal e, conseqüentemente, enriquecer a grade. ‘‘Ainda temos horários vagos, mas muita gente não sabe como é fácil fazer parte da programação’’, afirma. O plano ainda inclui uma campanha de marketing, prevista para o segundo semestre, e a promoção de cursos voltados aos técnicos e apresentadores.

Por conta dessa acessibilidade, a tevê abriga atrações de qualquer espécie. Algumas delas, seja por falta de qualidade ou conteúdo, acabam ganhando um tom de comédia involuntária. O que torna a CWB TV uma parada obrigatória para os fãs da cultura trash.

O programa do Centro Positivista, por exemplo, é a coisa mais anti-audiovisual de que se tem notícia. Sentando em um sofá, o apresentador septuagenário Pedro Mendonça passa meia hora lendo, de forma pausada, textos sobre a corrente de pensamento fundada por Auguste Comte. E só. ‘‘Não há regras sobre o conteúdo dos programas. Proibimos apenas racismo, apologia às drogas e propaganda política’’, justifica Cury.

Trash, porém assumido, o Super Show integra o bloco dos programas ao vivo. No ar desde agosto de 2007, é produzido por puro hobby por um grupo de jovens jornalistas e publicitários. ‘‘Não temos a preocupação de esconder nossas falhas’’, brinca o apresentador Edinei Giordani.

Exibida todas as quintas, das 21 às 22 horas, a atração traz entrevistas no estúdio, matérias externas, vídeos caseiros, números musicais e até um quadro de calouros. A participação é aberta a qualquer artista. ‘‘Já colocamos muito lixo no ar, mas somos fiéis ao espírito do programa’’, diz o diretor Tramujas Júnior.

A trupe, que já contabiliza 44 programas exibidos, custeia a produção com dinheiro do próprio bolso. Mas não cogita profissionalizar o Super Show. ‘‘A gente perderia a liberdade se fosse para um canal aberto. O grande barato é não ter compromisso com o Ibope e anunciantes’’, garante Giordani. É o lema punk ‘‘Faça Você Mesmo’’, só que em versão televisiva.

CAMPEÕES DE AUDIÊNCIA

Como a audiência da CWB TV não é medida pelo Ibope, cada apresentador tem sua própria maneira de avaliar o retorno do público. ''Sou muito abordado em bancos e restaurantes'', diz o astrólogo Jaime Lauda, veteraníssimo do canal.

Seu programa, o Quarta Dimensão, está no ar há sete anos. É gravado ao vivo todas as quartas, às 21 horas, e reprisado diversas vezes ao longo da semana. O que faz de Lauda um dos rostos mais presentes na televisão local. ''É um dos nossos campeões de audiência'', diverte-se Rafael Cury.

De fala mansa, o astrólogo atende telefonemas de pessoas em busca de aconselhamento. Mas não considera o Quarta Dimensão um programa astrológico ou espiritualista. ''É mais sobre auto-ajuda e equilíbrio interno'', explica.

Lauda, que nunca contou com qualquer tipo de patrocínio, agora tem o apoio cultural de um restaurante e de uma clínica odontológica. E está criando uma ONG para poder participar das assembléias da CWB TV. ''Quero desenvolver idéias e projetos novos'', afirma o apresentador, que recebe cerca de 40 e-mails por semana de telespectadores.

Na mesma linha esotérica, tão em voga no canal, quem literalmente dá as cartas é a terapeuta de vidas passadas Tânia Mara Gross. Ela também presta consultoria ao vivo, seja por meio de mensagens positivas, da leitura do tarô cigano ou mesmo de sua mediunidade. ''Já assistiu ao filme Ghost? O que visualizo é mais ou menos aquilo'', garante a apresentadora do Equilíbrio.

Terapeuta holística há 35 anos, Tânia conta que ''fugiu da mídia'' durante muito tempo. Até que, em 1999, fez previsões para o novo milênio a pedido do Domingão do Faustão. ''Dos 11 médiuns que participaram do quadro, tive o maior índice de acertos'', orgulha-se. Daí para a aparição em outros programas foi um pulo.

O convite para trabalhar na CWB TV surgiu do vereador-apresentador Jorge Bernardi, durante um congresso de ufologia. E lá se vão três anos no ar. ''A tevê melhorou muito. Antes, mal dava para se mexer dentro do estúdio'', lembra Tânia, que para breve promete estrear um cenário ''de dar inveja à Rede Globo''.

BRIGA DE CONDOMÍNIO

Quem acompanha pelo menos de relance a CWB TV percebe que o canal está diferente. O número de atrações aumentou, há mais espaço para entretenimento e alguns programas já têm qualidade técnica digna da tevê aberta. Mas um grupo de associados não vê a nova fase com bons olhos.

Em maio do ano passado, a então TV Comunitária ganhou o noticiário por conta de uma denúncia que chegou ao Ministério Público. Dez entidades, entre elas a CUT e o Sindicato dos Bancários, tiveram seus programas retirados do ar por falta de pagamento da taxa de veiculação. Os sem-tela alegavam que a cobrança era indevida, pois a Lei Federal da TV a Cabo denomina as televisões comunitárias como ''canais básicos de utilização gratuita''.

Após muita discussão, chegou-se a um acordo. O bloco divergente ficou isento de pagamento, mas teve seus programas reduzidos a 15 minutos de duração. ''Isso é uma esmola, uma falta de reconhecimento com quem ajudou a colocar o canal de pé'', reclama Laura Costa, presidente do Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea).

Uma das fundadoras da tevê, e ainda hoje integrante da diretoria, Laura afirma que a política de pagamento é apenas uma parte de sua crítica aos rumos que a CWB TV tomou a partir de 2005. ''O grupo majoritário, liderado pelo Jorge Bernardi e o pessoal do PDT, quer transformar o canal em uma empresa. A programação ficou na mão de empresários da educação, da comunicação e da fé. Perdeu-se os vínculos com a sociedade organizada verdadeiramente representativa'', lamenta.

Procurado pela reportagem, o vereador Jorge Bernardi negou qualquer tipo de interesse partidário por trás de sua atuação na tevê. Ex-presidente (entre 2003 e 2007), atual secretário e apresentador do talk-show Gestão Pública em Debate, ele afirma que o fato de figuras como Wilson Picler e Rafael Cury também militarem no PDT é ''quase uma coincidência''.

''Somos amigos e membros de movimentos filosóficos. Eu sou ligado à teosofia, o Rafael é ufólogo e o Picler representa o Nerf (Núcleo Editorial Realismo Fantástico)'', diz Bernardi. E completa: ''Meu programa recebe convidados de todas as áreas e partidos''.

Sobre a cobrança da taxa de veiculação, o vereador compara a associação que admnistra a CWB TV a um condomínio. ''Se todos contribuem com um pouco, podemos fazer muito. Não poderíamos continuar produzindo a tevê como antigamente. A qualidade era péssima''.

PROPAGANDA OU PATROCÍNIO?

Outra tendência em alta na CWB TV é o colunismo social eletrônico. Há pelo menos cinco atrações do gênero na grade, que seguem à risca a receita básica: cobertura de festas, inaugurações, eventos beneficentes e, em certos casos, lançamentos de produtos. E é aí que mora a polêmica.

A norma 13/7 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) proíbe a publicidade comercial em canais comunitários, porém permite o patrocínio da programação. O problema é que não há uma descrição do que seja patrocínio.

Já o estatuto de algumas tevês, como a de Curitiba, prevê a busca de recursos por meio do sistema de ''apoios culturais''. Por apoio cultural, entende-se a veiculação de mensagens institucionais de empresas - somente a menção à marca, sem informar endereço, site ou telefone de contato. Alguns programas, no entanto, exageram na dose e apresentam conteúdos escancaradamente pagos.

Para o secretário da tevê, Jorge Bernardi, esta é uma ''questão séria''. ''É importante fiscalizar esse tipo de distorção. Infelizmente, ainda não temos um conselho que analise esses aspectos'', diz. Seja como for, uma regra é obedecida por todos os associados: ofertas e preços não são divulgados. O resto vale, como diria Tim Maia.

O fato é que grandes empresas podem se dar ao luxo de patrocinar um programa veiculando apenas sua logomarca durante os intervalos. Os canais comunitários, no entanto, contam com o apoio dos pequenos e médios comerciantes locais, que desejam uma divulgação mais detalhada. Esta questão tem sido o principal assunto das reuniões entre a ABCCom (Associação Brasileira de Canais Comunitários) e a Anatel, que deve apresentar em breve uma nova definição para as formas de patrocínio.

Outro motivo de apreensão por parte da ABCCom é o Projeto de Lei 29, do deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), que estipula as regras para os serviços de televisão por assinatura na era digital. Além de permitir o ingresso das empresas de telefonia nesse mercado, a matéria sugere que parte do que é pago pelas companhias do setor seja transformado em um fundo de apoio às tevês comunitárias e universitárias. As verbas de fomento seriam distribuídas entre produtores independentes mediante a aprovação da Ancine (Agência Nacional do Cinema), órgão regulador da indústria audiovisual no país.

Cansados de produzir com poucos recursos, os representantes dos canais festejam a proposta. Mas, sendo o Brasil como é, não será surpresa se os peixes grandes do audiovisual entrarem no nicho comunitário, atraídos pelo dinheiro do fundo de apoio. Que os pequenos fiquem de olhos bem abertos.

por OMAR GODOY
com fotos de MARCOS BORGES (Tânia)
e THEO MARQUES (Super Show, Lauda)
junho de 2008

JORNALISTICAMENTE LOIRA

Giselle: entre jóias e invólucros para cadáveres


Quem vê Giselle Macedo à frente do programa Contagiando não imagina que ela já fez de tudo na televisão. Toda arrumada e maquiada, anunciando jóias caríssimas, a apresentadora de 38 anos pouco lembra a repórter ''pau para toda obra'' da extinta TV Manchete em Curitiba.

''Comecei no telejornalismo antes mesmo de terminar a faculdade. Cobri crime, política, esporte'', conta a jornalista, que naquela época sequer pensava em ingressar no colunismo social.

Mas o Contaginado (no logotipo, a sílaba ''gi'' aparece em destaque) passa por uma fase de transição em seu quarto ano de atividade. Desde dezembro de 2007, a atração passou a ser transmitida em rede nacional pela CNT, o que obrigou Giselle a ampliar seu leque temático.

Obrigou em termos, porque a apresentadora confessa que a cobertura dos eventos ditos ''sociais'' nunca foi seu forte. ''Como se trata de uma produção independente, no início tive de cobrir festas para manter o programa no ar. Fazia isso empurrada, com muita dor no coração''.

Hoje, ela garante, apenas 5% das matérias exibidas são pagas. O restante dos recursos vem de patrocinadores - como uma indústria de jóias e um grupo empresarial que, entre outros negócios, fabrica invólucros ecologicamente corretos para acondicionar cadáveres. ''Imagina a dificuldade de anunciar, num mesmo programa, produtos tão diferentes'', diz.

Turismo, cultura e saúde são alguns dos assuntos da nova fase do Contagiando. Festas, agora, só se pagarem muito bem. ''Não estou tão inserida na sociedade como as pessoas pensam'', afirma.

De qualquer forma, foi por sair em várias colunas sociais que Giselle recebeu o primeiro convite para escrever sobre o assunto, em um jornal também já extinto. Antes, porém, passou um tempo afastada da profissão. Casou-se com um médico, teve duas filhas e abriu uma loja de presentes. ''Mas eu não era feliz ali. Quem tem o jornalismo na veia não consegue fazer outra coisa'', diz.

Comparada pelo repórter com a personagem Elle Woods, a advogada patricinha e esforçada do filme Legalmente Loira, ela leva na esportiva. ''Sempre fui arrumadinha, desde a faculdade. Não tem o grupo dos bichos-grilo? Eu era da turma das arrumadinhas'', admite.

Giselle ainda conta que é uma das exceções de uma família tradicionalmente voltada ao Direito - o avô foi desembargador e o bisavô, Clotário de Macedo Portugal, ocupou o cargo de governador do Paraná nos anos 40. Seu primo, o humorista Diogo Portugal, é o outro ''desviado'' do clã. ''Somos os patinhos feios da família'', brinca a apresentadora.

por OMAR GODOY
com foto de LETÍCIA MOREIRA
setembro de 2008